Conspiração
"Habemos Nobel!", disse o sapo. E saltou.
Até que enfim: temos um Nobel!
Um Nobel da Economia, claro.
Lembramos com, as notas de Wikipedia: o Prémio Nobel foi instituído após de Alfred Nobel (o inventor da dinamite...) ter deixado uma herança de 32 milhões de Coroas. No seu testamento, redigido em 1895, determinava a criação de uma instituição à qual caberia recompensar, a cada ano, pessoas que prestaram grandes serviços à Humanidade, nos campos da Paz ou da Diplomacia, Literatura, Química, Fisiologia , Medicina e Física.
Pelo que, não deveria existir nenhum Nobel da Economia. Mas o banco central da Suécia decidiu instituí-lo e financia-lo porque sim. Financia-lo, obviamente, com dinheiro dos contribuintes, ora essa.
Este ano, o Prémio Nobel da Economia foi atribuído a Jean Tirol.
Quem é este?
Bom, o simpático Jean é um economista que já recebeu qualquer tipo de prémio existente no planeta. Uma rápida vista de olho na Wikipedia inglesa dá para perceber que o único Prémio que ainda não recebeu foi o Nobel de Informação Incorrecta, talvez porque ainda não foi instituído.
Mas o que faz Jean?
Ora bem, aqui começam o problema.
Presidente da Escola de Economia de Toulouse (França), que apoia uma doutrina neo-liberal ortodoxa (uhi...), desde os anos Noventa Tirole distinguiu-se como um verdadeiro pioneiro no contexto da economia ambiental.
Junto com seu mentor, Jean-Jacques Laffont, foi o autor dos primeiros trabalhos científicos que apoiaram a tese dos "direitos das emissão de poluentes" e avançou a hipótese de que a Finança e o mercado são a solução certa para o crise ecológica. Dito assim pode parecer complicado, por isso vamos tentar perceber, lembrando que os estudo de Tirole tornaram-se parcialmente realidade com a criação do mercado europeu dos "direitos de emissão".
A ideia é que as políticas climáticas devem ser tratadas como todas as outras políticas económicas:. eficazes e capazes de atingir os objectivos a um custo mínimo. Em síntese, a definição é "internalização das externalidades", isso é: dar um valor económico a todos os efeitos indirectos decorrentes de qualquer actividade económica.
Desta forma, por exemplo, a poluição criada por uma plataforma de petróleo em mar aberto poderia ser compensada financeiramente com um valor dado ao ecossistema que foi poluído.
Dito assim até pode parecer razoável. Mas, em boa verdade, é uma bestialidade. E não uma bestialidade um pouco assim, é mesmo uma profunda bestialidade.
A razão é que a Natureza não funciona como um mercado financeiro. Alguma vez viram um sapo introduzir uma taxa sobre a poluição provocada pelos peixes do charco? Não? E por qual razão? Provavelmente porque o charco é um ecossistema baseado em leis diferentes. E o sapo, que não é estúpido, sabe disso. Jean, pelo contrário, ainda não atingiu o nível do sapo (mas tem Nobel).
Vamos tentar perceber melhor, ficando apenas no âmbito financeiro
.
Sem uma autoridade central que estabelece as normas e controle as respectivas implementação, qualquer tributação (seja ela pró-Natureza) pode muito bem falhar ou criar uma nova bolha especulativa.
O mercado europeu da emissões, por exemplo, é um fracasso: confrontado o número de licenças de emissão concedidas, o preço do CO2 caiu para menos de 5 euros por tonelada, enquanto que deveria ser, pelo menos, cinco ou seis vezes mais do que isso. Por outro lado, desde 1990, as emissões globais aumentaram 50%, enquanto nesta altura deveriam já ter ficado reduzidas em mais de 5%.
O que é pior, é que ao mesmo tempo tem aparecido uma "Finança do Carvão" que agora especula sobre a questão dos direitos de emissão e sobre os contratos dos seguros, tendo em vista potenciais desastres naturais devido às alterações climáticas. Falamos, mais uma vez, de derivativos.
Interessante, neste aspecto, uma troca de ideias entre François Salanié da Escola de Economia de Toulouse (a mesma do nosso Jean) e Jean-Marie Harribey, membro do Conselho Cientifico de
Attac (organização alternativa que monitoriza o processo de globalização) e de
Economistes Atterrés (uma associação de economistas contra o neo-liberalismo).
Segundo Salanié, falando dos derivativos:
Se existem tais problemas, é porque o mercado foi mal concebido. O importante é sempre deixar a escolha para os actores: os que querem continuar a poluir vão pagar o preço, aqueles que acham que esse preço é muito alto vão poluir menos. É o que chamamos de eficiência económica.
Mas Harribey responde:
Basicamente, eles querem nos fazer crer que se o mercado não funciona é porque não tem sido explorado até o fundo. É o mesmo refrão sem sentido de sempre, uma visão global que tomou as rédeas do poder para diminuir todos os sistemas de regulamentação colectiva em prol do mercado. A mesma lógica que vemos no mercado de trabalho, nos serviços públicos, nos direitos dos trabalhadores.
De facto, as ideias de Salanié (e do simpático Jean) baseiam-se na capacidade do mercado de auto-regulamentar-se. A ideia é "deixem que o mercado funcione livremente, pois irá encontrar o justo equilíbrio". A crise começada em 2008 e ainda não acabada deveria dar uma ideia de como o mercado tenha uma tal capacidade.
Não por mero acaso, o prémio agora atribuído a Jean Tirole considera a sua "análise do potencial auto-regulador do mercado", algo que deve tocar como mel para o ouvido da Grande Finança.
Jean Tirole tem ideias acerca não apenas do ambiente: gosta das políticas de desregulamentação do mercado de trabalho e propõe a criação de um único contrato que elimine eficazmente os contratos a tempo indeterminado. Pelo que, todos passariam a trabalhar com contratos temporários.
Definitivamente: um génio, o Nobel era mesmo o mínimo.
Mais? Sim, há mais.
O simpático Jean faz parte daquela corrente neo-liberal tipicamente francesa que tem como objectivo mesclar todas as ciências cognitivas com a economia. O modelo económico seria assim aplicado a todos os aspectos da vida dum homem, levando em conta apenas e unicamente a dimensão económica do indivíduo.
Assustador? Sem dúvida. Doentio? Sim, claro. Paranoico? Também.
E tem um nome: Neuroeconomia. Um termo bem idóneo.
"O quê?" respondeu o sapo perante os duvidosos peixes vermelhos: "Aqueles altos, com só duas pernas? Mas já viram como estão? Fiquem descansados, não duram muito".
Ipse dixit.
Fontes: Reporterre, Wikipedia (versão inglesa)
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