Diz a fascinante Christine Lagarde (sempre seja louvada), chefe supremo do Fundo Monetário
Internacional (FMI), que há perigos na implementação de reformas e na aplicação de medidas de austeridade muito agressivas.
A politica de austeridade não precisa de ser adoptada de forma severa:
Acreditamos ser uma questão de ritmo. [As reformas] não têm de ser feitas de forma brutal ou abrupta e de forma massiva.
E mais, Christine "coração de manteiga" não esquece os cidadãos, com as manias deles:
Mais atenção aos assuntos que realmente importam para as pessoas. Isto é algo que levamos muito a sério no FMI.
E é verdade: o FMI leva muito a sério o que realmente importa para as pessoas.
Por exemplo: as pessoas importam-se do dinheiro delas? O FMI também: é por isso que acaba de anunciar que uma taxa de 10% sobre todas as contas bancárias da Zona NEuro não seria nada mal como ideia.
Mas nada mal mesmo.
A máquina do tempo
Uma ideia surpreendente? Não: este é fruto dos profundos pensamentos dos especialistas da organização conduzida pela fascinante Christine. A dúvida era: como remediar a falência da moeda única, o famigerado NEuro? Simples: levando a sério o que realmente importa para as pessoas, o dinheiro delas. Nomeadamente: retirando o dinheiro delas.
Não todo o dinheiro, fique descansado o Leitor: só um pouco, 10% para ser precisos.
Sim, mas como? Bom, isso é simples: retirando-o forçosamente dos montantes depositados nas contas bancárias. Uma taxa obrigatória de 10% sobre as contas correntes dos 15 Países da Zona NEuro.
Et Voilá, como diria a simpática Christine.
Mas 10% por qual razão? Porque assim, segundo os cálculos dos economistas, seria possível trazer a dívida soberana aos níveis pré-crise. Uma espécie de máquina do tempo: retiras 10% do dinheiro dos cidadãos e a vida volta a sorrir. Brilhante.
A maravilhosa ideia é indicada num dos capítulos do
Fiscal Monitor - Taxing Time, relatório semestral elaborado pelas mentes pensantes do Fundo. Uma decisão suicida, dado que provocaria uma fuga de capitais dos bancos europeus. Mas tentamos ver o lado positivo: o Dólar como moeda de reserva ficaria reforçado. E nesta altura, o Dólar bem precisa duma ajudinha.
Na verdade, não é esta a motivação contida no
Fiscal Monitor. No documento, a desculpa é ainda mais penosa: ao invés de aumentar a carga fiscal das empresas e reduzir ainda mais os salários, por que não mexer no dinheiro das contas?
No mundo encantado dos economista do FMI, se o trabalhador receber o salário do costume, irá gastá-lo em compras loucas para fazer funcionar a economia e alcançar assim o Santo Graal da retoma. A hipótese que o trabalhador fique assustado vendo as poupanças duma vida reduzidas em 10% e, consequentemente, tente gastar menos para tentar poupar mais....bom, tudo isso nem tem espaço no lugar fantasmagórico onde vivem os economistas do FMI.
Basicamente, o trabalhador é um idiota: recebe o mesmo salário e fica feliz como uma criança perante um gelado de chocolate, nem reparando que acabaram de subtrair-lhe 10% das poupanças.
Mas também os empresários não ficam tão bem na fotografia: 10% dos possíveis investimentos foram à vida, mas eles ficam felizes porque não aumentaram as taxas. Grande sorte.
Feitas as contas, os únicos inteligentes parecem ser os economistas do FMI.
Funcionará? Sim, porque sim.
Uma dúvida: mas um plano assim pode funcionar?
Claro que sim, é a resposta do FMI.
O Fundo observa que "retiradas" obrigatórias já foram amplamente utilizadas na Europa após a Primeira
Guerra Mundial (ver o caso da Alemanha) e no Japão após a Segunda Guerra Mundial.
E foi um sucesso? Nem por isso, foi um redondo fracasso: o relatório reconhece que aquelas medidas drásticas não tiveram os resultados esperados, não levaram a uma redução da dívida pública (o objectivo inicial) e, acima de tudo, provocaram uma fuga de capitais e uma elevada inflação.
Então, porque deveria funcionar agora? Dado que o FMI não explica este pormenor, a única resposta possível é: "porque sim". Que como explicação parece bastante bem fundamentada.
O FMI afirma que a ideia deve ser levada em conta e "confrontada com os riscos e as alternativas para reduzir a dívida pública", como por exemplo a inflação "que é também uma espécie de imposto sobre o património". O diário belga L'Echo entrevistou um economista, Etienne de Callatay, que até nem chumba a ideia (pois sempre economista é...):
À primeira vista, a proposta pode parecer perturbadora, mesmo chocante e escandalosa. Mas é uma alternativa perante outras medidas recomendadas para superar a crise, tais como o recurso a inflação.
O problema não é apenas a primeira vista: também é a segunda, a terceira...
Que fique claro: não há outra maneira.
É verdade que anos de austeridade reduziram em cinzas as economias europeias, mas o mantra diz: "Não há alternativas".
Por exemplo: reduzir os impostos para que as empresas possam investir mais e os consumidores adquirir mais, alimentando a máquina económica, reduzindo o desemprego e permitindo também maiores receitas fiscais do Estado?
A resposta é :"Não".
Porquê? O Leitor já sabe: "porque não".
Liguem a máquina do tempo.
Ipse dixit.
Fontes: Jornal de Negócios, FMI: Fiscal Monitor- Taxing Times (ficheiro Pdf, inglês), L'Echo
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