Então vamos ver dois dados.
Falamos de quê? Mas claro, falamos de Portugal, este feliz cantinho de terra à beira mar plantado.
Qual o lema que circula no feliz cantinho de terra? Já sabemos: antes fizemos uma boa vida, gastámos acima das possibilidades, Portugal tem que consumir pouco porque produz pouco, austeridade, sofrimento, penitência. Tudo gentilmente oferecido pelo actual governo, o mesmo que com a cumplicidade e as ordens da troika FMI-BCE-EU vende o País ao quilo.
Mas porque não espreitar os dados? O que tem o Leitor contra os dados? Porque é assim: o lema até pode ser simpático (e funcional), mas depois não será uma boa ideia ver o que realmente aconteceu?
"Eh, mas isso é complicado..." pensa o querido Leitor.
É complicado porque é preciso vasculhar no meio dos arquivos empoeirados, mas o Leitor pode ficar descansado: esta é uma missão para Informação Incorrecta, o blog que não apenas gosta mas até adora a poeira e o bolor.
Por isso: eis os resultados.
Comecemos? Não. Antes é preciso explicar donde saem estes dados e como interpreta-los.
- Os gráficos aqui apresentados fazem parte do database AMECO, o departamento Economic and Financial Affairs da Comissão Europeia. O link pode ser encontrado em baixo.
- Os gráficos consideram a Zona Euro com 12 Países. Faltam Chipre e a Islândia. Não perguntem qual a razão, não fui eu que fiz isso, ora essa.
- Os gráficos consideram dois intervalos temporais: 1999-2007, a preparação da crise, e 1999-2012, já com crise incluída.
- Os gráficos consideram três definições de despesa pública: total, corrente e primária corrente. A seguir são explicadas quais as diferenças.
É tudo? É tudo. Vamos ver os gráficos.
Os primeiros dados falam da despesa pública total em relação ao PIB.
Atenção a não confundir a "despesa pública" com a dívida pública": aqui o assunto são os gastos do Estado no total comparados com o PIB, que é a riqueza produzida no País.
Meus senhores, os dados são simples: Portugal no período 1999-2012 foi um dos Países que menos gastou. Atenção: fala-se aqui de despesas em relação ao PIB, isso é, quanto gastou Portugal tendo em conta a riqueza produzida em todo o País. Portanto, nada de discursos tipo "Portugal produzia pouco e gastava muito": não, estas apresentadas foram as despesas em percentagem, que já consideram a limitada riqueza produzida em Portugal.
Mas vamos em frente, pois esta é a despesa total, que inclui tudo, até os juros pagos sobre a dívida pública. Quanto gastava Portugal apenas para o funcionamento do Estado? O funcionamento do Estado tem um nome: despesa pública corrente. Esta inclui todos os gastos necessário para que a estrutura do Estado possa funcionar.
Esta é a resposta:
Então? Mas não era Portugal o País que tinha um Estado enorme, hiper-gastador? E que dizer então duma Áustria ou duma França? Já deveriam estar falidos, com certeza. E atenção outra vez: fala-se aqui sempre de valores não absolutos mas que têm em conta a riqueza produzida (o tal PIB).
Mas há outro dado ainda, a despesa pública primaria corrente, que é importante porque mostra qual foi a despesa sem considerar os juros pagos: na prática o custo líquido do Estado.
Mais uma vez, Portugal ocupa as últimas posições que, tanto para não esquecer, significam "despesas menores".
Os Portugueses têm fortes traços masoquistas, pelo que pode causar confusão: mas a realidade é que o País portava-se muito bem. Dito de outra forma: o problema de Portugal nunca foi o "peso" do Estado. Meus senhores, estes são dados oficiais da Comissão Europeia, não são meus. Não concordam? Escrevam para a Comissão, não para mim.
É interessante realçar as posições dos outros Países em dificuldades: Irlanda, Espanha, Grécia, Italia. Todos estes Países ocupam as posições "melhores", isso é, ao longo de pelo menos a última década tiveram Estados que gastaram pouco, muito menos do que uma França, uma Finlândia ou até duma Alemanha. Na verdade, gastaram bem abaixo da média europeia (dados EZ12 e EU27).
No período de preparação da crise, Portugal era ultrapassado pelos Países definidos "virtuosos" (que em verdade gastavam muito mais), entre os quais a Alemanha que, violando os acordos de Maastricht, financiava a reforma do mercado do trabalho e a obrigação de coordenar as relativas políticas.
Interessante também realçar que nem o início da crise parece ter mudado muito as coisas, pois as posições permanecem inalteradas mesmo tendo em conta a média do segundo período (1999-2012): os Países que mais gastavam continuam a ser os que mais gastam. Pelo que a pergunta surge espontânea: mas o problema não era o gasto do Estado?
Mais uma vez, a resposta tem que ser a mesma: não, os gastos do Estado não representam um problema. As privatizações conseguiram umas receitas temporárias mas não incidiram na resolução dos problemas reais, que são outros.
Isso significa também que se Portugal conseguisse sair do Euro e recuperar a soberania monetária, poderia financiar a própria Dívida Pública com juros conduzidos pela autoridade monetária e não com os interesses de usura actualmente em uso. Dito de outra forma: a Dívida Pública ficaria "esvaziada" de forma bastante rápida.
Haveria um perigo de bancarrota, de
default do Estado em caso de saída? Não, há precedentes históricos e estudos neste sentido. Mas isso não é o que os media contam. Pelo contrário, os cenários apresentados tornam a Apocalipse de S. João uma brincadeira de crianças...
Ipse dixit.
Fonte: AMECO, Bank of America: Game theory and Euro Breakup risk premium (ficheiro Pdf, inglês)
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Pergunta o Leitor Gito: Há uma coisa que eu não percebo em tudo isto. Se é assim, porque é que os estados se financiam no setor privado, para fazer escolas, hospitais e pagar salários e tudo o resto? Boa pergunta. Em verdade, em verdade vos digo:...
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