A sociedade dos supermercados
Conspiração

A sociedade dos supermercados


Quem hoje tem 20 anos nasceu na era dos supermercados, grandes espaços comerciais onde é vendido de tudo um pouco; mas as pessoas como eu, que já abandonaram os trint...ehm, os vinte anos, podem confirmar que uma vez o mundo do pequeno comercio era algo bem diferente.

A minha avó olhava para o frigorífico e dizia "Falta o leite". Então eu recebia uma moedas, saía de casa e entrava na loja que ficava mesmo em frente.

Aí, Rosina dava-me meio litro de leite e dois rebuçados (a taxa que eu cobrava para o serviço: afinal era o intermediador); eu saía da loja, encontrava os meus amigos que jogavam a bola e decidia que afinal a entrega do leite não era coisa tão urgente, havia outras prioridades: tudo com o desespero da minha avó que estava à espera do leite para prepara um bolo de maçã (a maior parte do qual eu teria comido: além de intermediador era também o motor da produção).

Hoje olhamos para o frigorífico e pensamos "Falta o Leite". Então pegamos na chave do carro, vamos até o supermercado onde enchemos o carrinho com uma quantidade industrial de leite, depois 3 pacotes de bolachas porque há a promoção "paga 2 leva 3 engorda 4", um pacote de massa "nunca se sabe, é rápida de fazer", 6 yogurtes "Semana da Comida Grega", enchidos "light", sumos "sem açúcar, só adoçantes químicos" e muito mais ainda. Paramos na caixa, onde uma senhora que esqueceu-se do sorriso na mesa de cabeceira pergunta se desejamos sacos, avisando que agora são pagos (pois, o ambiente precisa de nós), e no final, enchemos a mala do carro como se estivéssemos a preparar uma expedição de duas semanas para a floresta do Borneo.


Antigamente não era assim. As famílias não compravam nos supermercados, simplesmente porque não havia supermercados. Havia lojas, as mesmas que tinham existido ao longo de séculos.

O fornecimento: como era, como é

As lojas vendiam produtos cujas origens eram basicamente três:

Vendedores "viajantes": como os vendedores dos laticínios que paravam na frente da loja com o furgão da empresa. As ordens eram preenchidas no momento, por vezes nem eram escritas pois o vendedor bem conhecia a loja e as necessidades dela. Ás vezes era o dono da loja que ligava pelo telefone para avisar "Olhe, na Terça traga também dez pacotes de nata que hoje foram-se todos".

Alguns vendedores passavam quase diariamente, outros a cada duas ou três semanas, dependendo dos produtos. Os clientes podiam "reservar" coisas tipo o pão: "Rosita, para amanhã guarda-me três bolas que depois passa o Massimo a busca-las" (sempre eu, um verdadeiro escravo...).

Pontos de distribuição regional: as grandes empresas tinham organizado a distribuição nas áreas com estoques de mercadoria em depósitos, onde o dono da loja podia ir para abastecer. O dono da loja ia com o carro dele e enchia a mala com massas, bolachas, biscoitos, alimentos enlatados etc.

Produtor: isso mesmo, directamente no "fabricante". Claro, não era o caso das grandes cidades, mas nas aldeias era perfeitamente normal que o produtor passasse para vender os ovos, por exemplos, sempre frescos.

Um caso um pouco diferente era o da fruta e do peixe. Havia grandes mercados públicos (a lota no caso do peixe) onde o dono da loja ia de manhã cedo para encontrar produtos frescos locais, na maior parte das vezes vendidos pelos cultivadores ou pescadores. Depois havia a fruta regional, como as maçãs do Trentino ou os kiwi do Sul da Península: eram adquiridos por um distribuidor nacional e depois entregues nos vários mercados regionais. Por fim havia os produtos "exóticos", bem mais caros, aqueles que eram comprados nas alturas das festas: as tâmaras da Tunísia para o Natal são um bom exemplo disso.

Era um bom sistema. Os agricultores, por exemplo, ficavam bem, faziam negócios e a diferença de preço entre a origem e a loja estava bem proporcionada. Ganhavam o produtor, o vendedor (ou distribuidor), o dono da loja. Até ganhava o cliente porque, no geral, os produtos tinham um preço mais baixo do que hoje (obviamente fazendo as necessárias proporções e tendo em conta a qualidade): mas, sobretudo, comprava só aquilo do qual precisava, não saáa para comprar um pacote de leite voltando com 3 sacos cheios.

Hoje este esquema sobrevive em pequenas comunidades, pois nas grande cidades mudou de forma profunda. Ganhámos com isso? Não: perdemos. E muito.

As multinacionais da comida criaram no mercado condições insustentáveis para a maioria dos
pequenos e médios produtores: as hortas de condução familiar foram varridas, os que resistem são obrigadas a vender com uma margem de lucro risível, enquanto nos supermercados os preços não descem. Isso significa que as lobbies ampliaram as suas margens de lucro, reduzindo aquela do produtor e sem vantagem nenhuma para o consumidor.

Os produtos são importados, sem que haja necessidade nenhuma disso: em Portugal são produzidas as excelentes maçãs de Alcobaça, mas poupa-se ao comprar as do Chile, de preço (e qualidade) bem inferior. Pensamos na aberração do sistema: é mais barata um maçã que viajou ao longo de milhares de quilómetros do que uma produzida aqui ao lado.

Na Europa são importados produtos cultivados com agro-tóxicos cancerígenos, cuja utilização é proibida no Velho Continente: qual o sentido se depois a comida acaba igualmente nas nossas mesas?

A resposta é: "A importação ajuda os mercados dos Países em desenvolvimento". Mas é absolutamente falso: a importação cria escravos na África ou na América do Sul, pessoas exploradas em troca de ordenados miseráveis. A verdade é que a importação permite mais uma vez aumentar as margens de lucro das lobbies, sem que haja vantagens para as outras partes envolvidas (produtores e consumidores).

Mas voltamos ao processo de introdução dos supermercados.

A destruição da riqueza

A década de '80 viu o aparecimento dos primeiros supermercados e imediatamente as pequenas lojas sofreram as consequências.

Os supermercados, que costumavam comprar mercadorias em grandes quantidades directamente dos fabricantes, conseguiam preços mais baratos e ofereciam preços de venda mais contidos quando comparados com as pequenas lojas de bairro. Era uma política destinada a conquistar o mercado, com margens de lucro bem menores do que as actuais.

Uma política que ganhou: as pequenas lojas fecharam e os supermercados tomaram o controle total da distribuição dos alimentos. Em breve, apenas os idosos ou as pessoas com mobilidade reduzida ficaram fieis às pequenas lojas que conseguiram resistir.

A maioria das famílias mudou os seus hábitos: em vez de comprar comida quase diariamente a partir de um grupo de lojas (o talho, a peixarias, etc.), começaram a fazer uma grande compra semanal no supermercado, adquirindo perto de casa apenas o pão fresco e pouco mais. No prazo de 10 anos, o colapso das pequenas lojas foi total e não envolveu apenas as mercearias: os supermercado deixaram de vender só produtos embalados, mas montaram pequenas pseudo-lojas no interior: a área do peixe fresco, a área da fruta e verdura, ultimamente a área do pão quente.

Em Italia (exemplo que melhor conheço, mas o mesmo aconteceu em toda a Europa, para não falar dos Estados Unidos onde o fenómeno é ainda mais antigo) milhares e milhares de pessoas perderam o trabalho. Tratava-se de actividades geridas familiarmente, lucrativas (uma boa mercearia podia ter um lucro de 2.500/3.000 Euros por mês, às vezes mais), que davam emprego aos familiares e constituíam muitas vezes a porta de entrada no trabalho para os filhos (que depois podiam herdar a loja).

A ideia de que um supermercado faz sim fechar as lojas mas também cria postos de trabalho é outro mito: na verdade, o supermercado destrói o tecido conectivo dum bairro, obriga ao fecho a actividade dum pequeno empreendedor e substitui isso com assalariados (novos escravos), muitas vezes mal pagos e com um contracto de trabalho temporário.

Os lucros que antes enchiam os bolsos de milhares de famílias foram transferidos para os cofres das multinacionais: a riqueza, portanto, foi drenada da sociedade para acabar nas mãos de poucos.

Isso teve graves recaídas, pois as famílias-lojistas que ganhavam bem investiam no território, enquanto um supermercado não investe mas transfere os capitais para um paraísos fiscais, deixando atrás de si o nada. A sociedade ficou muito mais pobre.

Mas as consequências negativas não acabam aqui. Como vimos, as lojas de bairro podiam aprovisionar-se directamente dos produtores locais: portanto, um conjunto de lojas permitia a existência dum pequeno produtor (o cultivador, o criador de galinhas, de coelhos, etc.). Estas pessoas viviam do seu trabalho e cuidavam do território (a horta, o pequeno campo, etc.) e, por sua vez, justificavam a existência de outras lojas (as de ferramentas, etc.). Era uma economia na qual todas as partes eram interdependentes e enriqueciam uma determinada região, criando não apenas lucros mas também oportunidades de negócios, vitalidade e variedade.

As pequenas hortas, os campos, eram o lugar onde tradições seculares regulavam o trabalho, organizado segundo conhecimentos transmitidos de geração para geração. Um conhecimento do território único.

Tudo isso foi simplesmente varrido pela chegada dos supermercados.

As responsabilidades políticas

Os pequenos agricultores ou criadores não tiveram hipóteses perante a produção industrial dos gigantes do agro-alimento ou da criação intensiva. Os produtores e distribuidores regionais foram fortemente reduzidos, por vezes nem os nacionais conseguiram competir com os preços dos produtos importados (o caso da maçã). As multinacionais preferem explorar a força-trabalho dos Países mais pobres, onde, como já afirmado, os modernos escravos não têm correntes mas são obrigados a trabalhar 15 horas por dia em troca de alguns Dólares, unicamente para sobreviver.

Na Europa, doutro lado, houve o aparecimento dum fenómeno parecido: para competir com os produtos importados, muitas empresas do agro-alimentar exploram imigrantes que trabalham na recolha ou na criação. Normal que um apanhador de tomates ganhe 10 Euros após um inteiro dia dobrado debaixo do sol. Também esta é uma das maravilhas da "globalização", pois tudo isso tem um nome: "livre mercado", entendido como um enorme espaço global nominalmente regulamentado mas na verdade sem regras ou gerido segundo a lei do mais forte.

Permitir a importação de bens produzidos em lugares onde as pessoas são tratadas como escravos, ou a utilização de escravos importados nos Países mais desenvolvidos, é visto na óptica globalista como o normal funcionamento da concorrência. Obviamente, temos que agradecer as nossas classes políticas que, em nome desta globalização, têm progressivamente eliminados os direitos aduaneiros, tornando não apenas possível mas até mais apetecível importar do que produzir.

Possível que ninguém tivesse previsto esta que é uma lógica consequência? Obviamente não, não é possível: não estamos perante dum acaso ou duma "evolução" mas dum plano.

O problema é que atrás dos supermercados há lobbies poderosas, grupos multinacionais na base dos quais encontramos bancos de investimentos: Goldman Sachs, JP Morgan, Morgan Stanley e muitos outros, os nomes do costume. São estes que controlam as commodities, os preços das matérias-primas e a distribuição dos bens fundamentais na nossa sociedade, comida incluída.

Não houve nenhum "imprevisto": as classes políticas foram cúmplices (e não é difícil imaginar em troca de que) dum plano para eliminar a concorrência tradicional, apagar um inteiro sector económico bem radicado e substitui-lo na integra com os gigantes mundiais que participam nas várias Bolsas presentes em redor do globo.

Os cidadãos foram entregues aos supermercados. E hoje, se o desejo for comer, não temos muita escolha. Tentamos imaginar o que poderia significar nas grandes cidades o fecho dos supermercados: milhões de pessoas não saberiam onde ir para comprar comida.

Obviamente, deste assunto não se discute: é perfeitamente normal que a sociedade hoje funcione assim e não há uma só força política que encare o argumento, que explique aos cidadãos o que se passa. No máximo, ouvem-se gritos de Esquerda quando alguém propõe de deixar que as grande superfícies comercias possam abrir ao Domingo também. Reportagens, entrevistas, opiniões, "defesa do comércio tradicional" (qual?), "direitos dos trabalhadores", etc.

Depois abrem, concedem uma esmola aos trabalhadores, ocupam até o mais pequeno nicho de mercado, e tudo passa.

comprem produtos nacionais
privilegiem produtos frescos locais
utilizem apenas água produzida quanto mais perto
da vossa casa


Ipse dixit.



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