Conspiração
Alemanha: as reformas Volkswagen e a fome
O "modelo alemão"... um sonho.
Austeridade? Sim, ok, pode não ser bonita: mas os resultados, meus senhores, queremos falar dos resultados?
Ontem Em 2003, o chanceler Gerhard Schroeder introduziu as reformas no mundo do trabalho mais ampla da história alemã, a assim chamada "Reformas Hartz". O nome tem que ser explicado: deriva do presidente do comité que estudou o caso e sugeriu as reformas ao chanceler. O presidente do comité era Peter Hatz, que era ao mesmo tempo o chefe dos Recursos Humanos da Volkswagen.
E aqui já há algo que deixa um pouco... como dizer? "Surpreendido"? Não, surpreendido não. Diria mais "deprimido": porque quando o executivo duma multinacional lidera o comité que tem como objectivo reformular o mundo do trabalho, podemos ter a certeza que algo vai correr mal.
E correu, de facto.
Schroeder recebeu e aplicou as ordens... desculpem, os conselhos de Hartz e os resultados começaram logo a ser visíveis: flexibilidade selvagem, liberdade de despedimento, fortes limites no subsídio de desemprego. Apareceram também os mini-jobs (mini-trabalhos), aqueles onde o trabalhador é chamado para trabalhar ao longo de 24 horas, uma semana, um mês. Hoje um mini-job na Alemanha paga 450 Euros. Livre de impostos, é verdade, mas sempre miséria é, sem contribuições para a reforma, sem maternidade, etc. E Schroeder era do Partido Social Democrata, teoricamente de Centro-Esquerda: imaginem tivesse sido de Direita...
A liderança industrial alemã, obviamente, ficou entusiasta: Berlim olhava para os Países do Leste, aqueles ex-comunistas, mesmo aí atrás da fronteira e havia fome de trabalho. Como hoje lembra o simpático Jorge Kramer, chefe-economista da Commerzbank,:
Os sindicatos eram chantageados dizendo-lhes que ou aceitavam os cortes salariais e a flexibilidade ou os empresários iriam recrutar os azarados do Leste.
Bastante claro, não é?
Hoje
Resultado: a Alemanha tem salários médios em estagnação, que não seguem os ritmos da inflação, há 10 anos. Hoje, a Alemanha tem a maior proporção de trabalhadores com baixos salários (quando comparados com o rendimento médio nacional) de toda a Europa.
Há mais de 6 milhões de mini-jobs na Alemanha, três quartos dos quais afectam as mulheres. Impossível sobreviver com um rendimento assim, impossível planear casamento, casa ou filhos: como o mini-job hoje trabalhas, amanhã já não se sabe.
E as famílias alemãs devem ir buscar as poupanças para sustentar os filhos: porque os mini-jobs afectam em primeiro lugar os jovens com menos de 25 anos. E em segundo lugar? Os idosos, os pensionistas, forçados a voltar ao trabalho para sobreviver: porque a reforma Hartz atingiu também as reformas e o sector da protecção social, esta insuficiente para milhões de indivíduos.
O ponto mais baixo deste desastre é contado pela revista Der Spiegel: na Alemanha existem quase
um milhar de organizações que fornecem comida aos pobres, entre os quais encontram-se as faixas "protegidas" pela reforma Hartz. Falamos de meio milhão de Alemães que não têm nada para comer.
E pior: a situação dessa enorme massa de cidadãos tornou-se tão precária que as organizações de caridade têm sido forçadas a expandir as suas intervenções em âmbitos que antes eram prerrogativas do Estado social. Mas o resultado é catastrófico: as organizações não têm fundos para conseguir estes objectivos e estão a entrar em falência.
Há também uma percentagem crescente de estudantes que são forçados a comer nas "cozinhas da caridade". Claro, depois do horário escolar, depois de horas de estudo, depois dum mini-job (quando é que há), com 450 Euros por mês ou há os pais que ajudam ou sobra a esmola para os pobres.
Finalmente, a Merkel se orgulha da baixa taxa de desemprego: 5,2%. A simpática Angela, como é claro, não diz o que todos sabem: o departamento de estatística trabalha diligentemente marcando os trabalhadores dos mini-jobs como "ocupados", o mesmo triste truque utilizado nos EUA há 25 anos. Na verdade, a central de estatística da União Europeia (Eurostat) avalia o desemprego real alemão na casa do 11,9%. Mais do que o dobro dos dígitos utilizados pela Merkel nos seus discursos de propaganda, até maior do que a média europeia.
Há 15 anos na Alemanha um trabalhador da Volkswagen ganhava bem, muito bem mesmo. Depois chegaram as reformas e agora temos o "milagre alemão", a "locomotiva europeia", aquela que criou um exército de mortos de fome e que se arroga o direito de estabelecer as regras da União.
Ipse dixit.
Fonte: Paolo Barnard
Der Spiegel: uma lista de artigos que a revista alemã dedicou aos problemas do trabalho na Alemanha durante os últimos anos (em inglês) -
Broken Ladder: Social Justice Becomes Elusive in Germany; Pension Armageddon: Germans Fear Poverty Even After Life of Work; Life-Long Labor: Number of German Working Pensioners Soaring; Millions Left Behind in Boom: The High Cost of Germany's Economic Success
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