Conspiração
As alegres contas de Portugal
Artigo para os Leitores de Portugal.
Artigo que depois não contém novidade nenhuma: só confirmações. As enésimas.
Como sabemos, o Pais entrou em crise em 2010, quando a Dívida Pública representava mais ou menos 80% do Produto Interno Bruto (o PIB). Na primeira metade de 2011 caiu o governo socialista (teoricamente centro-esquerda) de José Sócrates e foi eleita a coligação PSD-CDS (teoricamente centro-direita) liderada pelo servo de Angela Merkel, Pedro Passos Coelho.
Eis a evolução da dívida líquida (Dívida Pública menos depósitos do Estado) desde o ano de 2010 segundo os dados fornecidos pelo boletim do Banco de Portugal:
Dezembro de 2010 : 158.736 mil milhões de € (boletim 04/2013)
Dezembro de 2011 : 170.904 (boletim 04/2013)
Dezembro de 2012 : 187.900 (boletim 04/2013)
Dezembro de 2013 : 196.304 (boletim 04/2014)
Dezembro de 2014 : 208.128 (boletim 05/2015)
Julho de 2015 : 212.268 (boletim 08/2015)
Nada mal, não é? Cortes nas reformas, nos salários, privatizações... foi isso que deu: uma Dívida que ronda 130%. Pergunta: mas se o País entrou em crise com uma Dívida "insustentável" de 80 e picos %, como é que agora está melhor com uma Dívida de 130%?
A resposta, é explicado, é que agora a Dívida é "sustentável": isso é, antes o Estado só perdia dinheiro, agora as contas foram corrigidas e aquele 130% tem as bases necessárias para ser pago. Vai demorar um pouco (uns 30 anos, mais ou menos), mas, é sempre explicado, o importante é que finalmente será pago.
Esta resposta é simplesmente penosa (por várias razões: por exemplo, subentende que Portugal consiga enfrentar uns 30 anos de contínuo crescimento), mas não é isso que interessa agora: assumimos que tudo está bem e continuemos a sorrir. Entretanto, vamos espreitar a execução orçamental comparando os últimos 12 meses (Agosto de 2014 e Julho de 2015):
Receita Total : 42.152M€ ( + 571M€ ; + 1.4% ):
Receitas fiscais : 38.086M€ ( + 1,084M€ ; + 2.9%)
IRS : 12.838M€ ( + 169M€ ; + 1.3%)
IRC : 4.753€ ( - 62M€ ; - 1.3%)
IVA : 14.434M€ ( + 786M€ ; + 5.8%)
ISP : 2.177M€ ( + 77M€ ; + 3.7%)
Despesa Total : 49,094M€ ( - 1,120M€ ; - 2.2%):
Despesa Corrente Primária : 41.807M€ ( - 1,007M€ ; - 2.4%)
Despesa de Capital : 1.345€ ( - 161M€ ; - 10.7%)
Despesas com juros : 7.288M€ ( - 113M€ ; - 1.5%)
Saldo Primário : + 345M€
Saldo : -6.943M€
Tentemos interpretar.
O Estado aumentou as receitas (isso é, os Portugueses deram mais dinheiro ao Estado)
O Estado diminuiu as despesas (investiu menos nos serviços, por exemplo)
O resultado é que o Saldo Primário (as contas feitas sem juros) é positivo: + 345 milhões.
Mas eis que aparece o problema: os juros. O total deles é 7.288 milhões de Euros (ignoramos por enquanto a Despesa do Capital).
Agora, vejam de quanto é o saldo negativo do orçamento: 6.943 milhões. Praticamente o valor dos juros. Isso significa que o País continua a perder dinheiro (- 6.943 milhões no último ano) por causa dos juros que Portugal paga sobre a sua Dívida Pública. São os juros pagos aos "investidores".
Após um tratamento brutal que empobreceu o País, fazendo disparar o número dos desempregados; após ter vendido tudo e mais alguma coisa do que era património público; após ter fomentado o medo entre os cidadãos; após ter retirado dinheiro directamente dos bolsos dos Portugueses; após tudo isso, o País continua a ter um saldo negativo por causa dos interesses que os grandes bancos pretendem sobre o capital emprestado com a técnica da usura (legalizada, claro: tudo é feito sempre nos moldes das leis).
Ao subtrair da Despesa Total o valor da usura, Portugal teria um Saldo positivo: é aquele + 345 milhões do Saldo Primário. Um saldo positivo obtido com medidas brutais, impostas pela Troika, que empobreceram o País e que terão (e já têm) consequências desastrosas na economia (a não ser que alguém acredite no conto das exportações como solução para todos os males). Mas, na verdade, este sacrifício não é suficiente: os juros, sozinhos, absorvem 41% dos impostos sobre os rendimentos pagos por cidadãos e empresas (IRS = Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e IRC = Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas).
Ou dito de outra forma: cada vez que o Leitor comprar algo, metade do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) vai directamente nos bolsos dos "investidores" (sendo os juros metade da receita do IVA).
Como poderá o Estado trabalhar nos próximos meses tendo nos cofres um buraco de 6.943 milhões? Simples: pedindo novos empréstimos. Que significarão mais juros. E os bancos privados, estes misteriosos "investidores", agradecem. É assim que funciona o nosso sistema baseado na usura.
Continha final.
O último dado em Euros do PIB de Portugal que encontrei é o seguinte: 173.053,3 milhões (Pordata), relativo ao ano de 2014. Isso significa que os juros absorvem 4,21% do PIB (só para rir: sabem de quanto eram os juros em 2010? 2,9% do PIB). Falamos apenas de juros, sem considerar a Dívida, que cedo ou tarde terá de ser reembolsada (ou substituída por outra Dívida, que obviamente matura novos juros).
De quanto cresce o PIB de Portugal? Nem 2% por ano.
Isso é: o crescimento do PIB num inteiro ano nem consegue pagar metade dos juros da Dívida Pública. Pelo que Portugal continuará a ter que pedir novos empréstimos para poder cobrir o buraco dos juros. Mas o governo (e até a oposição: ver o Partido Socialista), Bruxelas e os bancos estão felizes, pois "agora sim que este é um País com as contas em ordem".
Ipse dixit.
Fonte: Dívida Pública Portuguesa, Banco de Portugal - Boletins Oficiais
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