Ultimamente, nos canais de televisão nacionais [do Peru, onde mora quem escreve, ndt] vejo mais e mais vezes as imagens dos violentos confrontos entre a polícia e os moradores das chamadas "favelas" brasileiras (bairros pobres e precários, muitas vezes casebres, geralmente localizadas nas maiores cidades do Brasil).
A televisão brasileira e peruana falam de confrontos entre "agentes da Lei" e "criminosos". Na realidade, as favelas não surgem como uma forma de organização do crime, mas porque oferecem a uma parte da população a proximidade da metrópole, do trabalho, do comércio, da escola e, em geral, do ambiente urbano.
Mas este não é o principal aspecto do problema: todos os confrontos nos últimos meses ocorrem apenas nas favelas localizadas perto dos estádios onde entre 12 de Junho e 13 de Julho será realizada a Copa do Mundo.
Já no final de 2011, o Ministro dos Esportes do Brasil, Orlando Silva do Partido Comunista Brasileiro (PCB), havia abandonado o seu escritório, denunciando irregularidades e violações nos programas sociais e desportivos. A sua renúncia chegou a criar uma crise no governo brasileiro, que já Silva era um dos organizadores da Copa do Mundo de 2014 e também dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016.
Os "donos do futebol" (FIFA) imediatamente aproveitaram a oportunidade para levantar a voz, expressando publicamente "inquietação" e "preocupação" com a crise do governo brasileiro (facto político ou desportivo?), com a "segurança" (facto social ou futebol?) e com o "estado das obras nos estádios brasileiros". Tudo isso ao ponto de forçar a presidente do Brasil a uma reunião e uma entrevista, já no final de 2012, com Joseph Blatter (presidente da FIFA ou estadista?) sobre as "dificuldades da organização brasileira".
Não poucos maturaram a ideia de que, segundo a FIFA, o "atrasado Brasil" e os "pobres da América do Sul" já não estivessem a altura para organizar a Copa do Mundo (que hoje exigem tapetes vermelhos e câmaras, não favelas e ultras!).
Aparentemente, o governo "progressista" de Dilma Rousseff mostrou-se muito mais atenta aos "pedidos" (ou pressões?) da FIFA e dos patrões, que não às necessidades (reais) do povo brasileiro. Em vez de proporcionar às favelas os serviços de cuidados primários de saúde e as infra-estrutura de que necessitam, decidiu-se eliminar o problema, eliminando as favelas ... (claro, somente aquelas que perto dos estádios)!
Na realidade, a polícia (e o exército!) do Brasil, não estão hoje à procura de "criminosos" que se escondem nas favelas, mas estão a realizar o despejo e a demolição sistemática e brutal de inteiros bairros marginais.
Isto serve a um duplo propósito: por um lado, suprime uma parte da população e de possíveis "ultras", levando-os para longe dos estádios e de possíveis pontos de confronto; mas, do outro lado, tenta esconder aos olhos do mundo e do seu "público pagante" um aspecto da realidade brasileira: o desenvolvimento desigual do Capitalismo, a realidade (crua e vergonhosa) da pobreza, do desemprego, da exploração, da marginalização e da miséria.
Nesta altura, no entanto, classificar como "criminosos" todos os habitantes das favelas que se opõem ao despejo em defesa do seu próprio "bairro", da sua própria casa, das suas famílias, dos seus filhos e do simples direito de existência, parece uma óbvia monstruosidade, cínica e infame.
Para todos aqueles que nestes dias, no Brasil, estão a resistir e lutar, todo o meu respeito.Para ser sincero: a mim a fotografia de Dilma que sorri com todos os 32 dentes ao lado de Blatter faz uma certa impressão. E se acrescentarmos Pelé, a impressão torna-se horror.
Para uma sociedade onde a liberdade tem a cor do dinheiro e as características de cassetete, tudo o meu desprezo.