Conspiração
FBI: como construir um terrorista
Sami Osmakac tinha preparado tudo: um carro-bomba, seis granadas, um colete embutido de
explosivo e algumas armas, entre as quais um AK-47.
Depois tinha gravado um vídeo também: 8 minutos com a promessa de vingar a morte dos irmãos muçulmanos caídos no Afeganistão, Iraque, Paquistão e em todas as outras partes do mundo.
Nada de verdadeiramente original: "Olho por olho, dente por dente, uma mulher para cada mulher, uma criança para cada criança".
O costume.
O plano era entrar no
pub irlandês em Tampa para depois seguir até o casino local. Aqui, Sami teria tomado alguns reféns antes de fazer-se explodir com a chegada da polícia.
Só que algo correu mal, Sami foi interceptado e condenado, no passado dia 26 de Novembro, a 40 anos de prisão pelo tribunal de Tampa.
Até agora nada de estranho.
Só que nestas últimas semanas emergiu um pormenor curioso: Sami tinha sido contactado, financiado, preparado e armado por uma rede de agentes disfarçados do FBI. Curioso, sem dúvida. Mas nem esta é uma verdadeira novidade: sabemos que muitos dos atentados perpetrados no território dos Estados Unidos têm algo de "suspeito". E é mesmo aqui que a história de Sami se torna mais interessante: porque desta vez há provas. Desta vez, existem as intercepções que colocam em apuros os federais. O que permite também descrever o funcionamento do esquema sem recorrer a hipóteses.
O mecanismo é o seguinte: são individuados jovens, de preferência mentalmente instáveis, de origem árabe (quando possível), muitas vezes em condições económicas desesperadas. Com técnicas de condicionamento psicológico (nota: esta expressão não indica fantasiosos programas de cientistas loucos, mas algo mais simples, ao alcance de qualquer bom psicólogo), os jovens são transformados em informadores e por sua vez caçadores de outros potenciais terroristas.
Os sujeitos assim individuados são depois armados e motivados para realizar ataques, ou, como no caso de Sami, para tornar-se bodes expiatórios na guerra contra o terror. Manter um alto nível de emergência, difundir e fazer lembrar o medo nas massas é o objectivo primário, o que permite trocar cada vez mais liberdade para uma alegada segurança.
Sami, o terrorista falhado
Sami Osmakac tinha 13 anos de idade quando veio para os Estados Unidos com a sua família. Fugidos da violência do Kosovo em 1992, tinham viajado primeiro para a Alemanha, onde permaneceram até 2000, quando foi concedida a entrada para os EUA.É o mais jovem de oito filhos e, como o seu irmão mais velho Avni, lutou no início para conseguir adaptar-se à nova realidade. Lembra Avni, calça de jeans, Nikes brancas e boné dos New York Yankees:Viemos para Tampa e, no princípio, vivemos num clima de má vizinhança. Foi difícil, mas como aprendemos a língua, as coisas ficaram mais fáceis.
A família Osmakac abriu uma padaria em St. Petersburg, na frente da baía de Tampa. São muçulmanos, mas raramente aparecem na mesquita, não costumam jejuar durante o Ramadão e as irmãs de Sami não cobrem o cabelo. A educação de Sami seguiu esta "descontracção" religiosa da família e as suas preocupações eram aquelas típicas de muitos jovens nos Estados Unidos: obter um emprego e poupar dinheiro para comprar um carro.Em 2009, um dos irmãos mais velhos voltou para o Kosovo para se casar e Sami voou para os Balcãs com o irmão Avni para o casamento. Foi aqui que começaram os problemas. Como contou depois aos psicólogos, teve um sonho terrível:Um anjo agarrou-me pelo rosto e me empurrou para o fogo do inferno
Como se não bastasse, no voo de regresso para os Estados Unidos o avião apanhou uma forte turbulência, perdendo altitude rapidamente. Sami ficou horrorizado e é nesta altura que algo muda, como confirmam os familiares e os especialistas de saúde mental.Sami começa a frequentar a mesquita, fala de sonhos em que se matar e nos quais castiga os membros da família para que estes fiquem mais preocupados com ou Além. Corta as suas calças acima do tornozelo, compra de sandálias de plástico barato, veste um keffiyeh na cabeça, recusa cortar a barba qualquer desodorizante que contem álcool. Simplesmente, o cérebro dele pifou: tornou-se paranoico e delirante, dormia no chão e queixava-se dos pesadelos em que ele queimava no inferno. Deixa também de trabalhar na padaria de família porque esta vende produtos que continham carne de porco.Em Março de 2011, Sami tenta viajar para o Afeganistão ou o Iraque para lutar contra as tropas americanas e, talvez, até mesmo encontrar uma noiva lá. Mas antes que consiga realizar este desejo, Sami é contactado pelos agentes disfarçados do FBI.As gravações
As operações realizadas por informantes infiltrados estão no centro do programa de contra-terrorismo do FBI. Dos 508 réus em julgamento para casos de terrorismo na década após o 11 de Setembro de 2001, 243 casos tiveram envolvidos informantes do FBI, enquanto 158 foram alvos de operações encobertas.
Destes 158 casos, o informador ou o agente do FBI conseguiu convencer 49 acusados a planear ou implementar actos de terrorismo. Exactamente como aconteceu no caso de Sami Osmakac.
Obviamente, o FBI afirma pagar informadores e agentes sob-cobertura para impedir os ataques antes que estes ocorram. Mas um recente relatório da Human Rights Watch mostra que a agência, em vez de capturar os supostos terroristas, induz indivíduos mentalmente doentes ou economicamente desesperados a acções de terrorismo.
No âmbito da operação de Sami, temos o agente do FBI disfarçado sob o nome de Amir Jones. É ele que fica atrás da câmara que grava o vídeo no qual Sami anuncia o martírio. Amir apresenta-se como um negociante de armas, escondendo um gravador. Mas além da voz de Sami, o dispositivo grava também as conversas na sede do FBI em Tampa, com agentes e funcionários que acreditam falar em absoluta privacidade.
E pasmem-se: por uma vez, estas evidência foram tornadas públicas.
As gravações mostram um rapaz com problemas mentais, mentalmente incapacitado, que Richard Worms, o supervisor da equipa FBI, descreve como um "tolo retardado", que "mesmo não seria capaz de fazer xixi no pote". Tudo gravado.
Depois, há os agentes que apontam que a acusação precisa duma operação com "final ao estilo de Hollywood".
Há o agente especial do FBI, Taylor Reed, que afirma:
O dinheiro é a prova de que ele está disposto a fazê-lo, porque, mesmo sem conseguir que ele mate alguém, podemos mostrar que paga as armas.
São aquelas mesmas armas que o Tribunal considerou como a demonstração da capacidade de Sami de realizar o massacre planeado.
Tudo isso é hoje conhecido graças à coragem de um bom jornalista, Trevor Aaronson. As gravações, fornecidas à Aaronson por uma fonte confidencial interna ao FBI, não foram comentadas oficialmente pela agência ou pela Administração. O governo limitou-se a realçar como a difusão do material possa danificar o governo norte-americano, revelando as "estratégias e os métodos de investigação da polícia".
Mas não é bem assim: as gravações são uma revelação valiosa acerca do que acontece nos bastidores duma operação anti-terrorista sob-cobertura do FBI, revelando como agentes federais exploram a relação com um informador, trabalhando durante meses com o objectivo de transformar um infeliz num terrorista.
Não é anti-terrorismo: é pró-terrorismo.
Ipse dixit.
Vídeos (todos em língua inglesa):
Sami Osmakac third meeting with "Amir" Sami com um agente do FBI num hotel
O vídeo do "martírio"
Fontes: The Intercept, The Investigative Fund, Democracy Now, Facebook: Justice for Sami Osmakac, The Huffington Post
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