Durante o tradicional discurso sobre o Estado da União, o simpático Barack Obama anunciou a abertura de negociações com a União Europeia.
O assunto é uma parceria global para o comércio transatlântico e os investimentos comuns entre os dois lados do oceano.
Poucas horas depois, eis que o "creme" político do Velho Continente confirma as declarações de Obama com os profundos pensamentos dos Presidentes do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.
Breve ressalva: os cidadãos europeus não elegeram Van Roumpy e não elegeram Barroso que, portanto, falam a título pessoal. Só para lembrar.
Vamos em frente.
A criação dum mercado transatlântico é apenas parte de um projecto maior, que inclui a criação de um governo supra-institucional com um Conselho Económico Transatlântico, um Conselho Político Transatlântico e uma Assembleia Parlamentar Transatlântica. Arrepios nas costas? Então preparem-se: estes órgãos já existem, foram criados sem qualquer publicidade, sem que ninguém pudesse dizer "sim" ou "não". Existem e ponto final.
A arquitectura destes Concelhos segue um projecto muito antigo, que tem como objectivo criar um grande bloco "capitalista" (aspas bem necessárias) que consiga unir todos os Estados "capitalistas" (idem) sob a influência anglo-americana. Peguem no velho Plano Marshall, no Tratado do Atlântico do Norte, tirem o pó e depois perguntem: o que será aquela "União Transatlântica"? E a "Nato económica"?
Thierry Meyssan, jornalista francês, faz notar como nos Estados Unidos este projeto não seja seguido pelo Departamento do Comércio, mas pelo Conselho de Segurança Nacional. E não admira: as raízes encontram-se não nos ideais do livre mercado mas numa precisa politica de expansão e controle do modelo americano.
Em teoria a ideia parece fazer sentido: pega-se em duas áreas económicas em crise, juntam-se, facilitam-se as trocas e reza-se. Em teoria. Mas aqui, no Velho Continente, sabemos como funcionam estas coisas, temos décadas de experiência nesse sentido. Alguém acha de verdade que a "sopa das pedras" poderá substituir o hot-dog? A ginginha a Coca-Cola? Ou acontecerá o contrário? Quantas revendas de pasteis de Belém existem nos EUA? Quantos McDonald´s na Europa?
A Europa é um mercado de mais de 800 milhões de pessoas, mais de 500 milhões só na União Europeia. É este o público que, uma vez removidas as barreiras tarifárias (inclusive e sobretudo os regulamentos locais) serão os alvos dos frangos tratados com cloro, do gado com hormonas, dos OGM.
Queremos falar do tratamento dos dados pessoais? Não vale a pena, já podemos ter uma ideia: por enquanto o Velho Continente segue uma política que, todavia, terá de ser mudada. Pensem em conceitos como "bem comum", "interesses mútuos", acrescentem termos como "parceiro", (não "aliado" que faz lembrar as guerras), "mercado", "crescimento", "exportações". Sim, definitivamente: teremos que rever os nossos princípios, será imperativo. Facebook e Google esperam: têm paciência, sem dúvida, mas não é simpático fazer esperar.
Sempre Meyssan faz notar outro aspecto deveras interessante: em 2009-2010, o simpático Obama montou uma comissão presidida pelo conselheiro económico Christina Romher, uma especialista da Grande Depressão de 1929. Segundo Cristina, a única solução para a actual crise dos Estados Unidos consiste em causar uma transferência de capitais europeus para Wall Street. Para isso, Washington fechou a maioria dos paraísos fiscais não-anglo-saxões, em seguida, começou a tratar do Euro.
"Agência de rating", não sei se isso diz alguma coisa. Dívidas nacionais sob ataque, baixas nas avaliações das economias europeias...começamos a ver um luz no fundo do túnel, não é? Exacto.
Mas nem tudo correu como planeado neste sentido, então eis a solução do simpático Obama: uma Nato económica. Tudo muito, muito mais simples.
Parece tudo muito "estranho"? Não, "estranho" seria o contrário. O mar. E a História, como sempre.
Os anglo-saxões sempre foram uma potência marítima, continuarão a sê-lo. Era esta a ideia que estava por trás da Carta Atlântica, a base da Nato. Limitam-se a seguir uma propensão natural, é algo que sabem fazer, e bem. Mudar seria "estranho".
Porquê agora?
Porque a altura é delicada: o Euro hoje existe, amanhã não sabemos. É uma altura de escolhas. E a Europa teria muitas mais afinidades com a Rússia (por exemplo, veja-se na área da energia). Se o desejo for salvar a economia americana, a solução passa por atravessar o mar e atrair o capital europeia.
Claro, isso tem custos. Mas os custos maiores ficariam nas carteiras dos cidadãos europeus. Pelo que...
Duas últimas notas:
- Fica mais claro o papel das Mentes Pensantes de Bruxelas e as escolhas delas. Nada de políticas suicidas, a austeridade tem um claro objectivo de médio prazo. O Euro é sacrificável, tal como os cidadãos europeus.
- Christina Romher é a mesma pessoa que aconselhou e ajudou Cristina Kirchner para afastar o Fundo Monetário Internacional da Argentina. Louvor para estas pessoas que têm a capacidade de saltitar dum lado para outro da barricada com uma espantosa naturalidade. Ideais? Têm um gosto de mofo.
Ipse dixit.
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Fonte: Thierry Meyssan via Megachip
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