Hoje é Sábado, e como todos os Sábados desde que foram inventados os blogues, hoje é o dia da
História.
O que diz o Leitor? A História é uma seca? Malandro dum Leitor! Mas fique descansado: na verdade falamos de História para falar da actualidade. O que é bem mais interessante.
Comecemos com uma pergunta, assim, tanto para quebrar o gelo: como acabam as sociedades? De repente? Dum dia para outro? Ou de forma mais lenta, num cadenciado morrer?
A minha resposta é: boh, não faço ideia. Eu sou blogueiro, não historiador.
Mas o que tem a ver isso com a nossa sociedade? Tem a ver: porque também a nossa sociedade irá acabar cedo ou tarde. Aliás, dados os sintomas, parece mais cedo do que tarde.
Então podemos fazer uma coisa: dado que muitas vezes é feito um paralelo entre o nosso próximo (e alegado) fim e aquele do Império Romano, vamos ver como acabou, de facto, a história de Roma enquanto cidade imperial.
Dizia o filósofo Séneca (4 a.C. - 65 d.C.):
Seria um consolo para a nossa fraqueza e os nossos bens se tudo ficasse arruinado com a mesma lentidão com a qual é produzida, mas, em vez disso, o aumento é gradual, a queda vertiginosa.
Pelo que, podemos imaginar que Séneca não fosse propriamente uma pessoa alegre. Mas pegamos nesta sua frase e vamos definir o conceito como o Precipício de Séneca: será que uma sociedade complexa surge de forma lenta para depois desaparecer abruptamente?
A ideia não é nova e está no centro de discussões. Alguns estudiosos acreditam em algo tipo o Precipício de Séneca, com uma sociedade destinada ao rápido colapso; outros acham que estamos diante de um declínio extenuante, marcado por graves crises, intervaladas por períodos de relativa calma, no fim dos quais a queda recomeça, mais forte do que antes.
Para dizer a verdade, as duas posições podem não estar num desacordo tão radical como descrito: a ideia dum rápido colapso (o Precipício) não significa necessariamente uma queda contínua. Além disso, o modelo que descreve o efeito de Seneca pode dar um resultado deste tipo, verdade, mas os modelos são apenas aproximações. Muitas vezes, o mundo real é outra coisa.
Mais uma vez: vamos ver um exemplo prático, o tal fim do Império Romano.
A fundação de Roma remonta a 753 a.C., enquanto o fim do Império do Ocidente é indicado geralmente em 476 d.C., com a queda do último imperador do Ocidente, Rômulo Augusto. Agora, entre estas duas datas há um período de mais de 1.200 anos, e aí, algures, o Império atingiu um pico: o período de máximo esplendor. Quando isso aconteceu?
A resposta depende de qual parâmetro considerarmos, mas, independentemente da escolha que podemos fazer, o pico não está a meio caminho: aconteceu muito mais tarde.
O Império ainda era forte e poderoso durante o século II d.C., e podemos escolher o período entre o imperador Traiano e o imperador Marco Aurelio como o "pico do Império". Foi com estes imperadores que Roma atingiu a máxima extensão territorial (com Traiano), que a riqueza não apenas material alcançou o ponto mais alto. E, de facto, até a época do imperador Marco Aurélio (que morreu em 180 d.C.), o império não mostrou sinais de fraqueza (foi só com o filho degenere, Commodo, que as coisas começaram a piorar). Portanto, podemos posicionar o pico em meados do século II d.C.
Feitas as contas: Roma levou cerca de 900 anos para passar da fundação até o auge do século II d.C.. Depois disso, levou apenas 400 anos para que o Império desaparecesse (se considerarmos o fim do Império Romano de Oriente). Um colapso assimétrico, sem dúvida: Séneca tinha razão?
Calma, Leitor, calma. Vamos ver alguns dados, pode ser? Por exemplo, eis uma simpática imagem de Wikipedia. Ok, não é que seja tão simpática assim, mas serve para ter uma ideia.
A figura mostra o tamanho do exército romano ao longo do período de existência do Império. E admitimos: esta imagem mostra uma típica forma "Séneca", tanto para o Império do Ocidente quanto para o Oriente (mais tarde, neste segundo caso). A queda é muito mais rápida do que o crescimento.
Há outros indicadores que podem ser considerados sobre o colapso do Império Romano. Por exemplo, eis uma imagem do livro de Joseph Tainter, "O Colapso das Sociedades Complexas".
A figura mostra o conteúdo de prata por cada
Denarius romano, sendo que esta era a moeda-base do Império. A queda começa lenta, depois torna-se cada vez mais rápida, até que no fim do séc. III d.C. o
Denarius era de cobre puro, sem qualquer vestígio de prata (metal mais nobre).
Assim, o Império Romano parece ter caído num Precipício de Seneca. O que pode significar que um rápido declínio pode ser um traço comum no caso das civilizações complexas.
Todavia é preciso realçar alguns pontos: "rápido" não significa "imediato".
Após o pico do séc. II d.C., foram precisos outros 400 anos antes que a última parte do Império (o do Oriente) desaparecesse. E 400 anos não são poucos.
Outro dado importante: o colapso do Império Romano esteve longe de ser suave. Passou por períodos de aparente estabilidade, interrompidos por períodos de rápido declínio. Temos muitos relatos de contemporâneos que descreveram as crises: e poucos, bem poucos foram capazes de ligar os pontinhos.
O que era normal: cada um deles tinha nascido no Império, não tinha conhecido outra coisa a não ser o Império. Imaginar o desaparecimento duma instituição tão radicada era quase impossível.
Mas aconteceu, olha o azar.
Terá a nossa sociedade o mesmo destino? As crises que atravessamos são os sintomas da queda no Precipício de Séneca?
Com esta reconfortante reflexão, faço votos para que os Leitores tenham um bom fim de semana.
E cuidado com os precipícios.
Ipse dixit.
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