Acredito na democracia representativa temperada pela democracia participativa. É uma coisa bem diferente da democracia direta ou referendária. É a garantia de que a democracia representativa deixa espaço para que os cidadãos organizados possam exercer o controlo ao trabalho feito pelos seus representantes.
Isso deveria ser gravado numa lamina de ouro e moldurado.
A democracia representativa ("temperada", óbvio) é garantia para os cidadãos de poder exercer o controlo ao trabalho feito pelos representantes. Dado que a quase totalidade das democracias do planeta são representativas, significa que vivemos numa espécie de paraíso: não existe corrupção, não há más escolhas, não há ingerência do capital privado nas decisões políticas, pela simples razão de que o cidadão controla.
Não sei o Leitor, mas eu sinto-me melhor agora, estou mais feliz.
Mais:
Chegam-me, todos os dias, mensagens e comentários em defesa da "democracia direta". Como o que está a dar é falar mal dos partidos políticos, quem quer aplauso fácil (ou até voto fácil) acompanha a música. Mas eu não me limito a desconfiar da viabilidade da democracia direta. Sou contra ela.
Porque o ato de governar (ou até de fazer oposição) não corresponde a tomar decisões avulsas sobre vários temas, em que não há programa, horizonte, modo de olhar o mundo e o país, nada que cole pedaços de opiniões e excitações momentâneas. A política exige a coerência que as estruturas mediadoras lhe podem dar. Saber e informação que não se recolhe nas horas vagas. Exige negociação e compromisso. E a negociação e o compromisso exige que haja partes para negociar e para se comprometerem para o futuro. Partes com representantes.
Mais uma vez: o cidadão não tem capacidade. Se faz escolhas, estas são ditadas por excitações momentâneas. No melhor dos casos, o cidadão consegue "pedaços de opiniões". E já com algum esforço, acrescento eu.
E na democracia representativa? Nada disso: aí há profissionais. E eles sabem:
A política exige a coerência que as estruturas mediadoras lhe podem dar. Saber e informação que não se recolhe nas horas vagas. Exige negociação e compromisso. E a negociação e o compromisso exige que haja partes para negociar e para se comprometerem para o futuro. Partes com representantes.
Exacto.
Qual melhor forma de comprovar estas pérolas de sabedoria que o simpático colunista de Esquerda partilha connosco? Simplesmente observando a realidade.
E a realidade fala dum Daniel Oliveira vive e trabalha em Portugal, País onde (sorte nossa!) há democracia representativa e donde partem milhares de emigrantes que procuram trabalho...onde? Olha: na Suíça!
Porque será?
A Suíça é democracia directa, a má e feia democracia directa. Porque milhares de portugueses não ficam aqui a trabalhar e preferem o País helvético? Isso não faz muito sentido: na Suíça há demagogia ao poder, as pessoas conseguem apenas "colagem de opiniões". Com os cidadãos que põem o nariz nas questões importantes (que entre nós são justamente resolvidas por um restrito círculo de eleitos) nada pode funcionar, deve ser uma espécie de inferno.
Doutro lado, é só ver a história daquele País: nem uma única guerra nos últimos 300 anos, nem uma ditadura, nem uma colónia. Não é um País, é um caos total.
Nós, que estúpidos não somos, ficamos aqui, bem agarrados à nossa democracia representativa, que tantas satisfações traz. E, não satisfeitos, deixamos que os vários Daniel Oliveira expliquem nos diários a razão pela qual somos abençoados.
O referendo
A propósito, já que estamos em tema, vamos ver o que realmente decidiram os Suíços. Deixamos de lado as acusações de populismo e demagogia, pois os factos são um pouco diferente.
Neste fim de semana o povo suíço foi às urnas e decidiu aprovar a iniciativa da UDC, o Partido Conservador de Christoph Blocher, contra a "imigração em massa", ou melhor, contra os acordos da União Europeia, aqueles que liberalizaram o mercado de trabalho suíço, abrindo-o para os cidadãos da União Europeia.
Isso significa que amanhã as fronteiras serão fechadas? Ninguém mais poderá entrar na Suíça para procurar emprego? Os emigrantes que aí residem serão varridos? Claro que não.
O povo suíço deu um mandato ao Conselho Federal (isso é, o governo federal) para renegociar os tratados existentes e introduzir leis que imponham quotas com base nos "interesses globais da economia suíça". Tempo para a actuação: três anos.
A decisão suíça é histórica porque antecipa a sensação de que um número crescente de Países europeus sentem em relação à União Europeia e às organizações supranacionais. Um sentimento que se reflectirá nas próximas eleições europeias. Os suíços, apesar de viver em prosperidade, já não se sentem plenamente soberanos: vêem os costumes e os contratos sociais, que pareciam inabaláveis, continuamente corroídos por modalidades opacas. Na Suíça não há crise mas há um forte desconforto, um sentimento de perda, a necessidade de afirmação da identidade.
Não foi um voto "contra ", mas um voto "para " defender-se e sua própria identidade.
Isso, claro, já desencadeou a ira em Bruxelas, ainda antes da votação ter lugar.
Algumas semanas atrás, o Comissário para o Mercado Interno da UE, Viviane Reding, advertiu que "A Suíça não pode escolher o que gosta". E agora, a União Europeia não pode certamente permitir que a estratégia toda possa ser comprometida.
A partir de hoje começa o bombardeio da União Europeia para exercer pressão, com ameaças, chantagens, com a cumplicidade da "Esquerda" e da "Direita" e com opinionistas iluminados que explicam como todos temos de viver, suíços incluídos. A oligarquia Europeia fará o possível para transformar esta derrota numa vitória, para provar ser mais forte do que a democracia, capaz de dobrar a vontade mesmo dos povos que se iludem de ser livres e soberanos.
Ipse dixit.
Fonte: Expresso