Conspiração
Panama Papers
...e agora:
Panama Papers. Tentando ficar sérios.
Resumo dos episódios anteriores.
Há um ano, "alguém" subtraiu do estudo legal
Mossack Fonseca & Co., do Panamá, documentos sensíveis que demonstram a ligação entre pessoas e instituições de primeiro plano com paraísos fiscais (os
offshores) espalhados pelo mundo fora. Quantos documentos? 11,5 milhões, 50 vezes mais do caso Wikileaks. O que deve ter custado uma fortuna em pendrives.
Ofsciór!
Ninguém sabe ao certo quem é este "alguém": não são precisos grandes voos de fantasia para sugerir nomes, mas oficialmente a fonte dos
Panamas Papers é desconhecida. Só sabemos que este "alguém" contacta os editores do diário alemão
Süddeutsche Zeitung (Munich) e, sem pedir um tostão em troca, descarrega os sacos de pendrives cheias de documentos. Os alemães pensam "Krauten!" que significa "E agora o que podemos fazer com esta tralha toda? Formatamos e ficamos com as pendrives que dão sempre jeito ou contactamos uma organização sem fins lucrativos, séria e independente, para que seja desenvolvido um duro trabalho de investigação?".
Os alemães não brincam em serviço, ainda menos quando forem editores dum diário cujo nome já intimida. Pelo que começam a procurar a tal ONG séria e independente e a escolha recai sobre o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ): não apenas tem sede em Washington (EUA) como é financiado por nomes quais Rockefellers, Rothschilds, George Soros, Ford, Jewish Community Federation, Microsoft, Carnegie Corporation... nada a dizer: é uma garantia.
No dia 1 de Abril de 2016 eis que o Mundo está pronto para receber uma notícia espantosa que já todos conhecem há muito: existem pessoas e empresas que utilizam "Ofsciór" para evadir o fisco. Terrível, um verdadeiro choque. Os media não podem ignorar e atiram-se para os nomes.
Em primeiro lugar: Vladimir Putin, um amigo de Vladimit Purin, um tio de Vladimir Putin, o gato de Vladimir Putin, todos envolvidos no esquema fraudulento.
Depois: o primo de Assad, Presidente da Síria.
O irmão do Presidente da China e a filha do ex-Presidente da China.
O assessor e amigo dos ex-Presidentes da Argentina, os Kirchner.
O Primeiro Ministro, o Ministro das Finanças e aquele do Interior da Islândia.
Um executivo da empresa petrolífera e o ex-Comandante das Forças militares da Venezuela.
O chefe do Fundo de Investimento da Palestina.
O filho do ex-Presidente do Egipto, Mubarak.
O ex-presidente e o ex-Primeiro Ministro da Ucrânia.
Mas não será uma lista um pouco suspeita? Que dizer: só inimigos dos Estados Unidos? Calma, Leitores, calma, não sejam desconfiados: há também o pai de David Cameron, o Primeiro Ministro do Reino Unido. E não podemos esquecer o califa dos Emirados Árabes, do Qatar ou o Rei da Arábia Saudita. É uma lista acima de qualquer suspeita, que inclui actores políticos de praticamente todos os principais Países. Com apenas três excepções: Estados Unidos, israel e Burundi.
Admitimos: o facto do Burundi não ter envolvidos membros da classe política é coisa muito estranha e sem dúvida merecedora dum sucessivo aprofundamento. Normal, pelo contrário, que não haja ninguém de Washington ou Tel Avive: afinal falamos de Países onde reina o Bem. E este é um facto.
Quimioterapia
Tentamos ser mauzinhos? E tentamos.
Em 2009-2010, o presidente Barack Obama forjou um painel de conselheiros económicos presidido por Christina Romer, professora especializada nos estudos acerca da Grande Depressão dos anos Trinta. De acordo com a Romer, a única maneira de resolver estruturalmente a crise financeira que tem epicentro nos Estados Unidos seria determinar uma transferência de capitais (principalmente europeus) para Wall Street.
Desde então, Washington multiplicou as iniciativas para fechar o maior número possível de paraísos fiscais não anglo-saxónicos. Um jogo que inclusive conseguiu enfraquecer o Euro (como se os seus problemas genéticos não fossem suficientes). É um ponto de vista diferente sobre as fugas de notícias dos últimos anos: a crise de Chipre, os escândalos do Vaticano, o ataque ao sistema bancário suíço, etc., não são casos isolados mas fazem parte duma estratégia bem definida.
É claro que essas vagas de escândalos, a consequente criação de pânico, se repercutem negativamente sobre as finanças anglo-saxónica também, por causa das muitas e profundas interligações. Mas, no geral, são estas as finanças mais protegidas pelas regras e pelos equilíbrios de poder das instituições internacionais que elas próprias criaram. Portanto, estamos perante uma espécie de quimioterapia, que visa envenenar também muitas das células funcionais do corpo desde que sejam completamente eliminadas as células "disfuncionais". Da mesma forma, os polos financeiros anglo-saxónicos veem diminuir ou mesmo desaparecer os polos concorrentes. O preço é uma certa dose de caos sistémico, mas nada que não possa ser gerido.
E que a investigação
Panama Papers seja uma operação financeira apoiada pela política é bem mostrado pelo documento de apresentação da mesma investigação, publicado pelo
Süddeutsche Zeitung: aí é explicado que a especialização primária da
Mossack Fonseca & Co., além da lavagem de dinheiro e da evasão fiscal, é o "conjunto de actividades que potencialmente violam as sanções". Muito claro. Este, como os outros "escândalos" financeiros, representa mais um pequeno passo ao longo do caminho que irá conduzir até a implementação da NATO económica: TTIP (
Transatlantic Trade and Investment Partnership) e TPP (
Trans-Pacific Partnership), os dois tratados que irão revolucionar o quadro político-económico de boa parte do planeta, algo que avança na mais completa indiferença dos órgãos de informação.
"Investigação"?
E a propósito de
mass media: o jornalismo investigativo requer trabalho duro, às vezes arriscado, em que os jornalistas seguem uma primeira hipótese, encontram evidências, procuram testemunhas, cruzam dados e depoimentos. É um exercício muito diferente do
Panama Papers, em que as redações foram atropeladas por montanhas de papéis, sem investigar, sem questionar, sem cruzar. Uma coisa é o trabalho de repórter investigativo, outra coisa é a espeleologia das informações.
O ponto é: a fonte. Como é que uma única fonte pode ter tido acesso a segredos guardados por empresas profissionais superprotegidas, roubar algo como 11 milhões e meio de documentos que dizem respeito a 200 mil empresas num período de 40 anos? Quem e como foi capaz de realizar uma tarefa tão ampla, tão sofisticada e tão fundamental para os objectivos finais?
Mas sobretudo: quem garante a veridicidade das informações? Surpresa: a autenticidade é garantida pela mesma fonte. Que, todavia, permanece desconhecida. Apenas o director do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo sabe. Exacto: o mesmo cujo ordenado é pago pelos vários Rockefellers, Rothschilds, George Soros...
Este não é jornalismo investigativo: atirar para as primeiras páginas nomes e caras de indivíduos ou empresas sem ter algo chamado "provas" na mão não é jornalismo investigativo. Nem é jornalismo. É dito que em Maio serão apresentados novos dados. Que sejam bem vindos, mas não deixa de ser interessante este
modus operandi: antes são atirados para as capas os nomes e depois chegam as eventuais confirmações. Não, não é jornalismo: é apenas uma operação que faz parte das guerras modernas, travadas já não pela força militar, mas também (e, por vezes, especialmente) com ferramentas assimétricas como a utilização dos órgãos de informação.
Ninguém espera que um diário explique porque os cidadãos (todos, não apenas alguns) não deveriam pagar taxas e impostos (sim, leram bem: procurem
Modern Money Theory no Google para perceber qual a verdadeira razão das taxas e por qual razão não deveriam sequer existir): mas que pratique jornalismo, mesmo não de investigação, deveria ser o mínimo exigido.
Ipse dixit.
Fontes: ICIJ · The International Consortium of Investigative Journalists, Süddeutsche Zeitung: About the Panama Papers, Wikipedia (versão portuguesa: lista parcial dos nomes envolvidos no Panama Papers)
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