Da América Latina não é que na Europa muito seja conhecido, além dos lugares comuns do costume.
Do Paraguai ainda menos. Sim, existe um País com este nome, fica por ai, algures, não longe do Brasil. E até tem uma capital, chamada Asunción.
Depois, há dois anos, de repente o pequeno País ganha notoriedade: um procedimento de
impeachment contra o presidente democraticamente eleito, Fernando Lugo. Figura estranha esta: um ex-bispo católico, agora político progressista, que quebra 61 anos de governo de centro-direita.
O
impeachment continua, Lugo tem menos de 24 horas para preparar a própria defesa, o Senado (controlado pela oposição) reconhece o presidente como culpado da morte de 17 pessoas num choque entre polícia e camponeses e o cargo passa nas mãos do líder da oposição, Federico Franco. O centro-direita volta ao poder e o Paraguai desaparece do horizonte.
Até agora.
Os helicópteros caem
O aumento dos membros da Embaixada dos Estados Unidos em Assunção, nos últimos tempos, foi necessário pelo desejo de manter o controle do governo do Paraguai. A campanha pré-eleitoral está em pleno andamento e para "gerir directamente" o aparato de
intelligence que opera na embaixada dos EUA o pessoal foi reforçado.
Federico Franco cumpriu a missão, agora está na altura do sucessor e é preciso preparar o terreno. Para já (no passado dia 2 de Fevereiro), um acidente de helicóptero matou Lino Oviedo, um dos candidatos à presidência.
O acidente aconteceu de noite, enquanto Oviedo retornava a Assunção após várias reuniões com os eleitores no norte do País. O percurso não excede 200 km e o helicóptero era pilotado por um ex-piloto militar, especialista em voos nocturnos. O tempo era bom mas de repente a rádio ficou em silêncio e as tentativas de restabelecer o contacto com o veiculo foram inúteis.
As equipas de resgate encontraram corpos mutilados e fragmentos do helicóptero num raio 150 metros da área onde estava a cabine, o que deu origem à ideia de que Oviedo tivesse ficado vítima dum ataque com um dispositivo explosivo.
De facto, no primeiro relatório oficial sobre a morte de Oviedo, a ideia dum acto de terrorismo não foi descartada. Lógico, não fosse o passado "incómodo" do político. Dinâmico e agressivo, muitas vezes referido como o último
caudilho paraguaio, tinha muitos inimigos.
Ex-militar, Oviedo tinha invadido a vida política do País em Fevereiro de 1989, como um dos líderes que derrubaram o regime do ditador Stroessner. De 1993 a 1996, Oviedo foi responsável do Estado-Maior-General das Forças Armadas. De acordo com os seus inimigos, foi durante este período que lançou as bases da sua prosperidade financeira, dando cobertura aos traficantes e aos cartéis da drogas.
As tentativas para de converter a popularidade entre o povo numa presidência não foram bem sucedidas: os rivais triunfaram e nunca perdoaram Oviedo pelos seus métodos de luta oculta, as suas tentativas de organizar golpes de Estado, o uso da violência contra os opositores. Como resultado, Oviedo procurou asilo político no Brasil e na Argentina, e a seguir foi fechado numa prisão do Paraguai.
Oviedo, que teria completado 69 anos em 2013, tinha afirmado que a participação nas eleições de 2013 teria sido a sua última tentativa para tornar-se presidente. Encontrava-se em terceiro lugar no
ranking de popularidade entre os eleitores, e estava a fazer todo o possível para virar o jogo em seu favor. Os esforços pré-eleitorais de Oviedo foram alvo da reacção hostil dos seus principais rivais, que ele definia com a palavra "máfia". Em primeiro lugar, "máfia" era o
Partido Colorado, o mesmo no poder durante a ditadura de Stroessner.
Oviedo conhecia bem o ambiente
Colorado, sendo que nos anos 80 pertencia a um movimento de "tradicionalistas" do partido. Em 2002, tinha criado o seu partido UNACE (
Unión Nacional de Ciudadanos Éticos), sendo acompanhado nisso por muitos ex-membros do Partido Colorado. Horacio Cartes, candidato presidencial do Partido Colorado, acreditava que o potencial de Oviedo para atrair eleitores com opiniões moderadamente conservadores fosse extremamente perigoso, já que estes são os eleitores tradicionalmente procurados pelo Partido Colorado. Daí a razão da feroz batalha entre Oviedo e Cartes, que estava em aumento antes das eleições deste ano.
Oviedo tinha referido das origens "mafiosas" dos biliões que permitiram a Horácio Cartes "comprar" o Partido Colorado, para realizar as próprias ambições presidenciais. Oviedo tinha falado sobre isso na sua última entrevista, concedida à estação rádio de Bell Guyra poucas horas antes de morrer. Interessante é que a "mafiosidade" de Cartes parece não levantar dúvidas ou suspeitas da agência de
intelligence dos EUA: e isso apesar de existirem muitas informações nos documentos Wikileaks sobre os operações ilegais de Cartes na reciclagem do dinheiro da droga, o financiamento do envio de droga para os Estados Unidos, Brasil e Argentina, assim como o contrabando de álcool e tabaco.
Durante um encontro regional entre os representantes da CIA e da
Drug Enforcement Agency (DEA), foram discutidos detalhes específicos sobre uma operação para conseguir informações contra Cartes. As informações foram obtidas? E como foram utilizadas? Segundo o mesmo Cartes, ele nunca teve problemas com o visto de entrada para os EUA, seja por causa de trabalho ou para passar uns dias de descanso. Foi alcançado um "compromisso"? Provável, e nem é difícil adivinhar o seu conteúdo. Se assim for, e apesar de todos os milhões dele, Cartes não passa dum mero pião nas mãos da Administração de Washington.
Interessante também observar os relatórios da embaixada dos EUA acerca de Lino Oviedo.
Assim reza o documento enviado ao Departamento de Estado em Abril de 2008:
É um líder forte, com tendência para o messianismo. É conhecido pela sua instabilidade mental, as suas tendências não democráticas e violentas, a sua habilidade de enganar e manipular. É um pragmático que acredita que a relação com os Estados Unidos seja um mal necessário. Oviedo mantém uma atitude anti-americana, mesmo procurando a bênção dos Estados Unidos (para resolver os seus problemas pessoais). É um populista e está mais em sintonia com as forças autoritárias de direita que não de esquerda. É muito ambicioso e anseia pelo poder. É incontrolável.
Incontrolável talvez. Eliminável com certeza.
A conversão de Filizolla
Outro candidato presidencial é Efraín Alegre, com o vice-candidato Rafael Filizolla, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). Ambos são ex-ministros do governo de Fernando Lugo. Alegre tem abordado as questões de construção e comunicações, enquanto Filizolla estava no comando da política nacional. A embaixada dos EUA não tem problemas de natureza ideológica ou legal com eles, aliás, os partidos de esquerda acusam Alegre e Filizolla de cooperar com os serviços de "dominação dos EUA" no Paraguai.
No entanto, as cosias não estiveram sempre assim.
Filizolla, por exemplo. Em 2005 Filizolla participou num seminário dedicado ao fortalecimento das relações entre Paraguai e Venezuela: falou de forma muito crítica acerca das políticas de Washington, aprovou o governo Chávez e as actividades de "populistae" como Lula, Kirchner e outros líderes latino-americanos de esquerda.
O "jovem, promissor político" começou a ser convidado para eventos sociais na embaixada dos Estados Unidos e pouco antes da sua nomeação como ministro do Interior, recebeu "pareceres" do embaixador dos EUA. De repente, Filizolla tornou-se um dos ministros mais populares do governo Lugo e, sobretudo, mudou radicalmente a própria atitude. Foi graças a ele que os EUA conseguiram reformaram as agências políticas e de
intelligence do País, inserindo mais agentes, realizando operações especiais contra "terroristas árabes" na área das três fronteiras (Paraguai-Brasil-Argentina), enfrentando a "guerrilha marxista" no mesmo Paraguai ou a influência dos emissários de Chávez, Ortega e outros.
A vitória do Partido Liberal Radical Autêntico nas eleições presidenciais é uma possibilidade. Oviedo nem tinha sido enterrado e já o partido dele, o UNACE, com uma reviravolta de 180 graus anunciava o apoio para a dupla Alegre-Filizolla.
Moral: nas próximas eleições do Paraguai não vai haver surpresas.
Washington não pode perder.
Ipse dixit.
Fontes: Strategic Culture Foundation, Wikipedia (1, 2 e 3, versão espanhola).
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