Conspiração
2016: a calma antes da tempestade
Enquanto na Arábia Saudita festejam o novo ano com 47 decapitações (entre as quais aquela do líder
xiita Nimr al-Nimr, tanto para manter a malta animada), nós aqui no burgo vamos ver as ideias que circulam pelo mundo fora acerca do dinheiro.
Afinal, como será o próximo ano? Teremos mais crise ou as nossas carteiras irão encher-se até explodir?
Curioso: tenho aqui vários artigos com direcções bem diferentes.
O primeiro é do diário The Telegraph, assinado por Ambrose Evans-Pritchard, que prevê um ano de relativa calma com até um pouco de retoma.
O segundo é do professor Minqi Li, segundo o qual uma grave crise está a chegar, talvez a derradeira com tanto de queda do Capitalismo, e será provocada pela China.
Os outros representam no geral uma mistura destes dois pontos de vista ou apoiam com decisão a ideia da crise. O problema, portanto, é escolher as reflexões melhores.
Abrimos o jornal e encontramos o quê? Bolsas chinesas em plena queda, seguidas pelas europeias. Bolas, será que Minqi Li tem razão? É o Armageddon final? Será, mas eu continuo a preferir o artigo de Ambrose Evans-Pritchard: 2016 será relativamente calmo. E será a calma antes da tempestade.
As razões? Muitas.
As boas notícias
Em primeiro lugar: o petróleo. Devido ao baixo custo do crude, nos últimos meses foi poupado dinheiro, muito dinheiro. Quanto? Mais ou menos uns 2.000 milhões de Dólares. Dinheiro que está à espera de ser gasto. E será gasto, o que fará girar a roda da economia.
O choque positivo do petróleo chegou na altura certa: mesmo quando a austeridade nos Estados Unidos está prestes a terminar e enquanto aparecem idênticos sinais na Europa, com a derrota da linha Merkel.
Mas voltemos para os EUA: os norte-americanos quebraram todos os recordes com a compra de 1.7 milhões de carros e camiões no mês de Dezembro. E esta é apenas uma amostra daquilo que poderá acontecer: a crise começada em 2007 provocou um "défice" de 20 milhões de carros (carros não vendidos, obviamente), que ainda tem de ser recuperado.
Na União Europeia também as coisas parecem bem encaminhadas. Desvalorização do Euro, o já referido fim da pior fase da austeridade, o Banco Central Europeu que se farta de imprimir notas com aumento da oferta de dinheiro para cobrir investimentos e obrigações o longo dos próximos meses: tudo isso parece a base para atingir o "mágico" crescimento de 2%.
E a China? Apesar das últimas notícias, algo começa a mexer-se.
A crise dos primeiros meses de 2015 está a diluir-se: as trocas com o exterior registam um saldo positivo de 600 bilhões de Dólares, as reservas valem 3.5 triliões de Dólares mas, sobretudo, o sector dos serviços acaba de atingir o maior nível dos últimos 15 meses. Este é o índice mais importante desde que o Partido Comunista começou sistematicamente a liquidar (leia-se: privatizar) peças importantes da indústria siderúrgica, química e da construção naval.
Também em Pequim aumenta a oferta de dinheiro: o dinheiro em circulação subiu de 10%, a emissão combinada de obrigações governamentais e locais está a aumentar a uma taxa de 14% e, em Novembro, o Partido aumentou a despesa fiscal de 18.9%. Não é o regresso do "milagre chinês", mas por enquanto o papel de parede tem escondido muitas rachaduras.
Mas há mais boas notícias: nos próximos meses o Dólar irá descer o seu valor, o que representa um alívio para Países como Brasil, Turquia, África do Sul, Indonésia e Colômbia. Melhorias também no mercado dos metais, a começar pelo cobre.
Mais complicado o discurso acerca do petróleo. Se for verdade que o preço baixo foi uma mais valia sob vários pontos de vista, também é verdade que um barril abaixo dos 50 (ou até 40) Dólares não é "natural". O problema aqui é que a recuperação da cotação está ligada à guerra entre Arábia Saudita e Rússia.
Os Sauditas acham ter dinheiro suficiente para sobreviver aos Russos; os Russos pensam ter uma melhor alternativa estratégica, suficiente para sobreviver a um longo cerco. Ambos estão errados: as reservas da Rússia dão até o final deste ano, enquanto o preço baixo do crude faz fugir os capitais estrangeiros da Arábia e aumenta a pressão sobre a moeda local, o Rial. Entretanto, esta guerra já causa mortos e feridos: Venezuela e Brasil, tanto para fazer uns par de exemplos, estão a pagar parte da factura.
Como irá acabar? Com um acordo secreto e um barril perto dos 60 Dólares. Ou mais.
Até aqui as previsões acerca de 2016. E reparem: são as melhores previsões desde 2010.
Todavia...
As más notícias
Todavia, após 2016, é suposto chegar um outro ano, que em Portugal chama-se 2017. E aqui as coisas ficam bem mais complicadas. Se a visão do mundo para os próximos 12 meses nem parece tão má, esta mini-recuperação económica contém as sementes da sua própria morte.
Em primeiro lugar: o papel.
O problema da enorme massa de títulos tóxicos, não tóxicos, quase-tóxicos, tóxicos-mas-nem-tanto, etc., permanece intacto. Demasiado papel. Alguém terá que pagar. Quem? Não olhem para mim.
Há 6.000 biliões de Dívida Pública global com juros abaixo de zero e 17.000 biliões abaixo de 1%.
E depois há a inflação, que nos EUA já provoca um aumento dos preços ao consumo perto de 3%, isso enquanto o mercado de trabalho está a encolher-se. E quando cessará o colapso das matérias primas (petróleo em primeiro lugar, mas também cobre, etc.), a inflação também irá subir mecanicamente, começando nos EUA e na Europa.
O cenário? Estagflação. Nome feio, sem dúvida.
Como reza a sábia Wikipedia:
Estagflação define-se como uma situação típica de recessão, ou seja, diminuição das actividades económicas e aumento dos índices de desemprego, além da inflação e da falta de instrumentos institucionais que regulem a economia, ou seja, que pelo método científico-econométrico retirem-na da chamada "estagnação" ou "armadilha da liquidez"; após um "merecido ciclo de virtuoso-crescimento-económico, que toda Economia ou País-viável, merece"; de conformidade com a doutrina de Keynes (é o que caracteriza esse conceito, basicamente, nos meios académicos).
Dito de forma um pouco mais simples: estagnação (falta do crescimento económico) mais subida da inflação (aumento dos preços). Estagnação pela subida do preços das matérias primas, inflação por causa de excesso de liquidez.
Esperamos que esta calma antes da tempestade possa durar o tempo suficiente para apreciá-la. Ninguém sabe ao certo onde fica o "limiar da dor" dum sistema global explorado como nunca antes.
Mas esta é a história de horror para 2017.
Agora vamos gozar o 2016.
Ipse dixit.
Fontes: La Repubblica, Tlaxcala, The Telegraph, Wikipedia
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