Conspiração
A Cruzada - Parte I
Diziam os Romanos:
repetita juvant.
Que podemos traduzir como: "A Juventus repete os sucessos" ou "As coisas repetidas ajudam".
Acho que a tradução mais correcta seja a segunda.
Então vamos repetir, sobretudo após o apelo em favor da Guerra Santa lançado pelo simpático Barack Obama nas últimas semanas (apelo prontamente recolhido pelos servos: os Franceses já começaram a bombardear no Iraque). E também vamos tentar perceber qual o verdadeiro objectivo da nova cruzada.
Os meios de comunicação são pródigos de informações que descrevem as atrocidades do alegado Califado, mas reticente em dizer quem são os seus membros e qual a origem do movimento.
Nestes últimos dias, por exemplo, realce para um rapaz de Portugal, tal Fábio, que, estudante em Londres, decidiu abraçar a Jihad para combater no Estado Islâmico do Iraque e da Síria (este último é o nome completo, conhecido também como Isis). Surpresa, espanto, incredulidade e um pouco de medo (o inimigo vive entre nós, pode ser o vizinho da porta ao lado!). Mas nem uma palavra acerca desta força, de como nasceu, quem foram os fundadores, quem são os organizadores, donde chegam as armas, como são estruturados.
O Estado Islâmico não é uma força que de repente apareceu do nada, mas é o filho directo das políticas do imperialismo americano no Oriente Médio e que tem as suas raízes no conflito sírio e caos do Iraque pós-Saddam. Estados Unidos e Estado Islâmico estão intimamente ligados: sem os primeiros não teria surgido o segundo. E o segundo tem uma função bem precisa, pró-Washington.
Para entender melhor qual o papel do Isis devemos dar um passo para trás de, pelo menos, 30 anos: era a altura em que o Islã político era o aliado do imperialismo americano no Oriente Médio, a desculpa perfeita para permitir que os Estados Unidos pudessem intervir para ajudar os "bons" e punir os "maus".
Na década de 80, durante a Guerra Fria, o Islã conservador era um aliado dos Estados Unidos na contenção da propagação do Comunismo e da influência da União Soviética no mundo árabe. Sabemos que sob a presidência do presidente americano Ronald Reagan, os Estados Unidos "treinaram e armaram os talibãs no Afeganistão para derrubar a República Popular do Afeganistão e a subsequente intervenção soviética. Al-Qaeda nasceu aí, naqueles anos, com o dinheiro e com o apoio norte-americano, quando o mesmo Bin Laden (não vamos esquecer: vindo de uma família de empresários sauditas com estreitas relações com os Estados Unidos) lutava no Afeganistão e era entrevistado por jornais ocidentais como "The Independent" (que definiu o simpático Bin como "combatente da liberdade ").
O movimento Taliban era ainda glorificado em filmes como Rambo 3 (aqui Stallone decide intervir no Afeganistão, ao lado dos Talibãs - portanto ao lado de Al-Qaeda -, contra os Russos), enquanto muitos líderes islâmicos afegãos eram recebidos na Casa Branca com Reagan que definia tais indivíduos como "líderes com os mesmos valores dos Pais Fundadores".
E aqui fica bem outra expressão latina (algo que ajuda a dar ao blog um ar intelectual):
sic transit gloria mundi, que podemos traduzir com "como são efémeras (ou "transitórias") as coisas do mundo".
Fechamos a parêntese intelectual e continuemos com a nossa história.
A mesma estratégia foi mantida nos anos noventa com o presidente Bill Clinton, que pode intervir na Jugoslávia ao lado dos KLA, o Exército de Libertação do Kossovo, uma cambada de traficantes de armas e drogas disfarçados de defensores do povo contra um genocídio não bem especificado.
Com Bush mudanças de estratégia: cúmplice o 11 de Setembro, os amigos de ontem tornam-se os inimigos de hoje. Assim, de repente, o Islã "declara" guerra à civilização ocidental e há árabes em cada esquina prontos a fazer-se explodir. É a Guerra ao Terror, graças ao qual são eliminados os ex-aliados Talibãns e é invadido o Iraque. Uma guerra totalmente sem sentido segundo a lógica americana, em teoria, considerando que o governo de Saddam Hussein pertencia ao baathismo (o Baathismo é uma mistura de socialismo, nacionalismo e pan-arabismo e é frequentemente contrastado pelos governos árabes que tendem a apoiar o fundamentalismo islâmico e a teocracia) e de tudo poderia ser acusado excepto de apoiar o Islã.
E os valores, os mesmos dos Pais Fundadores?
Esqueçam.
Com o simpático Obama a estratégia muda mais uma vez: não há só a ameaça do Islã, mas os Estados Unidos devem tomar medidas para defender os jovens da "Primavera Árabe" na luta contra os "ditadores" (que depois significa todos os Chefes de Estado dos quais a América não gosta).
Bin Laden, mantido vivo como um bicho-papão durante a era Bush, é eliminado (???) rapidamente, em perfeito estilo hollywoodiano. Então os islamitas são mais uma vez aliados? Depende. Os Talibãns do Afeganistão não, continuam maus. Mas já a Jabhat al-Nusra (o braço de Al-Qaeda na Síria) é boa, transformada pelos mídia num grupo de jovens não violentos que lutam contra a ditadura.
É a mesma táctica utilizada na Líbia, onde Obama arma as milícias islâmicas e intervém em apoio delas para eliminar Gaddafi.
A Síria entra assim numa espiral de guerra donde parece não poder sair, a Líbia é agora um inferno nas mãos de bandas islâmicas enquanto os americanos saqueiam o petróleo e o gás.
Todavia algo corre mal: a Síria não cede, pelo contrário, resiste. Então é preciso mudar o roteiro.
Os animais sedentos de sangue de Jabhat al-Nusra já não são os bons rapazes que lutam com as flores contra os canhões, mas são "terroristas" com um plano espantoso: criar um Califado. Nada mais, nada menos. E não apenas na Síria, mas também no Iraque. Cujo governo, olha o acaso, nos últimos tempos estava a afastar-se de Washington.
Os gajos do Estados Islâmico (o tal Isis) são substancialmente os "rebeldes" sírios que antes eram apresentados como verdadeiros democratas e ao lado dos quais (menos de um ano atrás), o próprio Obama iria intervir militarmente. As mesmas pessoas, portanto, passaram de combatentes da liberdade para sanguinários terroristas.
Mas atenção: é preciso observar qual a posição deles. Se ficarem perto de Damasco, na Síria, ainda são pobres estudantes democratas, se forem em território iraquiano já são terroristas. É uma questão de latitude.
Fica portanto a pergunta: o que verdadeiramente quer este Isis? Como pode apoiar os interesses americanos no Oriente Médio? Qual o projecto de Washington para o Iraque? O que sobrará daquele País após esta nova guerra (a terceira com os EUA em campo em 24 anos)?
É o que vamos ver na segunda parte do artigo.
Isso é: amanhã.
Ipse dixit.
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