"A religião envenena tudo e não acaba porque somos egocêntricos"
é um excelente entrevista de Vanda Marques, Publicado em 02 de Março de 2010 pelo Jornal i, um diário que marca a diferença nos média em Portugal.
Christopher Hitchens é jornalista e escreveu o best-seller "Deus não é Grande". Esteve em Portugal para debater o ateísmo e falou com o i
Frontal, polémico e irónico. Dos quatro cavaleiros do anti-apocalipse - como foram baptizados os pensadores ateus que surgiram dos últimos cinco anos - Christopher Hitchens é o mais controverso. Jornalista, colunista na "Vanity Fair" e na "Atlantic Monthly", acusou a Madre Teresa de Calcutá de se dar com ditadores. Christopher, inglês a viver nos Estados Unidos, esteve em Lisboa, na Casa Fernando Pessoa, para discursar sobre a "Urgência do Ateísmo". O escritor, de 60 anos, falou com o i enquanto regressava de uma visita a Évora, e já tem um livro a caminho, desta vez vai analisar os Dez Mandamentos.
De que forma é que a religião envenena tudo, como diz no seu livro?
A religião diz-nos que não temos liberdade, que fomos feitos por um ser superior. Esse ditador divino disse-nos que não saberíamos nada e que não seríamos capazes de distinguir o bem do mal. É uma forma doente de educar as pessoas. Envenena porque te torna num escravo, mas a religião não vai acabar.
Porquê?
Porque tem como principais recursos a estupidez humana, a crendice e a vaidade, disfarçada de humildade. A religião não acaba porque somos egocêntricos e temos medo de morrer. Assim, acreditamos que dizemos umas coisas pela ordem certa e vamos para o céu. Até agora nunca foi provado que aquele ser omnisciente e benigno existe.
E os milagres, como o de Fátima?
Ilusões. Duas coisas simples provam que não existe: ela nunca aparece a não cristãos e quando aparece é igualzinha à estátua que está à entrada da escola das crianças. Já agora, se o Sol tivesse parado tinha sido visto noutras partes do mundo. Fátima mais parece uma senhora que nasceu na Islândia ou no Minnesota do que na Galileia.
Porque escreveu "Deus não é Grande - Como a Religião Envenena Tudo"?
O debate entre os que acreditam no sobrenatural e os que não acreditam é o mais importante. Na altura [2007] havia um confronto entre a teocracia e a democracia. Além disso, tinha a sensação de que nos EUA estavam fartos de ver o ensino da biologia substituído por religião, com a história do criacionismo. A violência da jihad também era, e é, uma preocupação real. É o reavivar de superstições medievais, com crueldade e estupidez.
Em várias culturas sempre houve a noção de Deus, porquê?
É inato à mente humana procurar padrões para entender o mundo. Somos primatas que precisam disso, foi assim que aprendemos a domesticar animais, entendemos o padrão, logo o seu comportamento. A desvantagem é que preferimos aceitar qualquer tipo de padrão a nenhum. Haverá uma razão para que todas as igrejas de Lisboa tenham caído em 1755? É tão importante para nós. De certeza que é importante para o cosmos. Mas estão enganados. Não havia plano, há sim uma grande falha entre Lisboa e os Açores.
Somos demasiado egocêntricos?
Uma das grandes piadas da religião é que defende a ideia de que somos simples criaturas, não valemos nada, mas depois acrescenta: "Já agora, nós somos a razão pela qual o Sol se levanta." Pergunto: "Sou humildes ou não?" Aliás, são muito arrogantes. Pensam: "Claro que todas as igrejas de Lisboa caíram porque comi a mulher do meu amigo."
Mas a religião não é importante na educação, já que cria padrões morais?
É um argumento muito comum em todas as religiões. Tenho uma pergunta para essas pessoas: se a religião é a base da moral então enumerem-me uma acção moral que só uma pessoa de fé possa fazer e que eu, como ateu, não possa? Não existe. E conseguem indicar-me uma acção cruel que um crente faça apenas por causa da sua fé? Os exemplos são muitos: do 11 de Setembro à Inquisição.
Existem religiões mais perigosas do que outras?
Nos anos 30 e 40 do século XX, diria que a mais perigosa era o catolicismo romano porque estava relacionado com o fascismo. Agora é muito claro que é a versão mais radical do islamismo. Não aceito que vivamos à mercê de pessoas que às vezes nos toleram outras não. Quando armas de destruição maciça caem nas mãos de loucos, ou temos de ser muito educados para não os chatear - que para mim seria uma humilhação intolerável - ou vamos esperar pelo veredicto final - que é uma versão ainda pior do mesmo dilema. Recuso-me a viver um dia da minha vida submisso ao prazer destas pessoas.