Abram um diário, um qualquer: simples encontrar a preocupação acerca da guerra civil na Síria, a
ansiedade por causa das manifestações no Egipto, não faltam artigos, enviados especiais, relatos.
Faz sentido.
O que não faz sentido seria ignorar um País no qual acontecessem as mesmas coisas: revoltas, mortos, feridos, repressão. Mas é isso que acontece.
Há um País onde nos últimos 5 dias, as pessoas tomaram as ruas por mais de 190 vezes para protestar contra o poder. No entanto, ninguém fala sobre estas manifestações populares. Não um artigo, não um jornalista, nem um diário. Sabe o Leitor que País é? E o que poderia explicar este silêncio todo?
Este País é o Bahrain, pequena monarquia do Golfo Pérsico. Aí, nos últimos cinco dias, as pessoas saíram às ruas em várias cidades e, segundo o principal partido da oposição (o
Wefaq, já foram 190 os eventos que tiveram lugar contra a monarquia.
Uma monarquia que aplica a tortura contra as pessoas, fechada num autoritarismo medieval hoje em dia raro no planeta, mas que goza de uma espécie de imunidade internacional. O facto de ter concedido uma extensa porção de terra aos Estados Unidos, que implantaram a base da Quinta Frota, terá algum papel nisso?
E os protestos nem são coisa recente. Tudo começou com as primeiras faiscas da Primavera Árabe, em 2011, com os cidadãos fartos duma monarquia radical e extremista, parente da família real saudita.
A dinastia Ale Khalifa tem respondido desde então com um punho de ferro, matando dezenas de pessoas, com a perseguição contra os cidadãos, pedindo também a da monarquia saudita, a qual enviou no País milhares de soldados para ajudar os policiais locais nas repressões.
Os números
O Bahrain é um Estado pequeno, apenas 765.3 km quadrados (tanto para ter uma ideia: é a mesma área do Concelho de Loulé no Algarve, ou do Distrito Federal no Brasil), e tem uma população de 1.234.571 indivíduos.
Mesmo assim, o resultado destes dois anos de revoltas são:
- entre 150.000 e 300.000 manifestantes
- mais de 100 mortos entre civis e militares
- mais de 3.000 feridos
- 2.929 presos
- mais de 1.866 torturados
- mais de 500 exilados
- 534 estudantes expulsos das escolas
Facebook e Google Earth foram bloqueados, tal como o local sito internet de Human Rights. Um total de 14 bloggers desde 2011 foram presos por terem falado das manifestações e um dele, Zakariya Rashid Hassan al-Ashiri, morreu na prisão após tortura.
Obviamente, o diário da oposição (
Al-Wasat) não pode ser publicado.
Um grupo de 20 médicos foram presos por terem cuidado dos manifestantes no
Salmaniya Medical Complex e condenado a 20 anos de prisão por "actividade anti-governativa".
Nem a religião escapa: 28 mesquitas foram destruídas desde o começo dos protestos.
Perante isso, qual a reacção internacional? Nada, nem umas linhas nos diários. A razão? Pode pensar-se no petróleo, mas surpreendentemente não é assim.
Ou melhor: há mais do que isso.
Apesar de ser ainda um dos grandes exportadores de "ouro negro", as estimativas apontam para o fim da produção em poucos anos, 10 ou 15 no máximo. O que torna valioso o pequeno País é a posição estratégia: o Bahrain fica no mesmo golfo (o Pérsico) de Irão, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos. Não é preciso dizer mais.
Pelo que, agora podemos responder à pergunta: "o que poderia explicar este silêncio todo?".
E é uma resposta bastante simples até: vivemos no mesmo mundo onde recebemos informações pormenorizadas quando no centro das atenções ficar um País regido por um governo não tão simpático com o Ocidente e os interesses dele: páginas e páginas de jornais com comentários, impressões, fotografias, vídeos e análises. Sem esquecer a urgência para uma "intervenção humanitária" em prol do povo.
Vice-versa, se um governo totalitário e assassino sistematicamente violar os direitos humanos mas for amigo do Ocidente, então as notícias desaparecem.
Como afirmado: bastante simples até.
Ipse dixit.
Fontes: Arabian Business (inclui vários artigos acerca das revoltas no Bahrain), Reuters, Presstv, Wikipedia (versão inglesa), Wikipedia (versão portuguesa)
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