Como mudar de vida
Conspiração

Como mudar de vida


Num outro artigo vimos qual a situação: não é vida.
E agora: Como mudar de vida? Nada menos...

Mas a pergunta qual lógica consequência parece ser mesmo esta: o que podemos fazer para mudar?

Pena: a pergunta está errada. Para ser honestos, tem que ser dividida em dois:
  1. o que podemos fazer?
  2. o que queremos fazer?
E não é a mesma coisa.
Seriamente: é mesmo preciso que um blogueiro, um fulano que o Leitor nunca viu na vida toda, lhe explique como melhorar a sua vida? Claro que não. É como comprar um daqueles livros de auto-ajuda: escrito bem, com observações inteligentes e bons conselhos. Acabado o livro, somos os mesmos dantes. E não poderia ser diversamente: tudo só pode partir de nós.

Pelo que, a primeira pergunta até é inútil: o que podemos fazer? Tudo, meus amigos, tudo, não há limites. Não há limites de idade, de sexo, de cultura, nem de dinheiro: podemos fazer tudo. E acreditem: "tudo" significa isso mesmo. Os únicos que põem limites somos nós. E, de facto, o problema surge com a segunda pergunta, que depois é a mais importante: "o que queremos fazer?" significa na realidade "o que estamos disposto a fazer?". A resposta? Estamos dispostos a fazer pouco, muito pouco.

Na internet há muitos blog que se dedicam a assuntos como estes. E têm um discreto sucesso, pois as pessoas gostam de ler acerca disso. A maior parte de nós queria encontrar uma espécie de fórmula mágica, uma alquimia que viabilizasse grandes (e positivas) mudanças, em tempos razoavelmente rápidos, sobretudo sem correr riscos. Azar: esta alquimia não existe.

Se a ideia for mudar, mas mudar para melhor e de verdade, a única coisa que temos de fazer é quebrar o círculo no qual estamos. Exemplos? Mas quais exemplos? Ninguém precisa de exemplos: são coisas que todos sabem, são coisas óbvias, naturais. Que, se aplicadas, tornariam as nossas vidas bem melhores. Mas se ainda aqui estamos, significa que o problema não é "o que podemos fazer" mas "o que estamos dispostos a fazer". E sabem qual a resposta? A mesma dantes: "Nada". Ou "muito pouco".

A causa? Egoísmo? Comodismo? Talvez um pouco disso também, mas a verdadeira resposta é "medo". Medo de ficar excluídos, de ser "inferiores".

A nossa é uma sociedade homogeneizada. São poucos os lugares no mundo onde as pessoas não são obrigadas a entrar (e ficar assim presas) no grande jogo do escola-trabalho-morte. A grande maioria vive na imensa tribo chamada também de "aldeia global". Esta aldeia tem as suas regras, indispensáveis para que o mecanismo continue a funcionar.

Uma destas regras é fazer parte dum grupo. Fazer escolhas nossas, verdadeiramente nossas entendo, significaria obrigatoriamente sair do jogo: e ninguém está disposto a fazer isso, ninguém quer sentir-se "estrangeiro na sua própria casa". É um sentimentos primordial este, é a necessidade de sentir que somos parte de algo: é a matilha que dá força ao indivíduo. Pôr em prática escolhas unicamente individuais implica uma contraposição, nós num percurso e a matilha no outro: o que é contrario ao nosso DNA animal.

Outra regra é a competitividade. Fazer escolhas nossas significaria abandonar símbolos que são inúteis ou até idiotas. Mas isso significa "perder posições" quando comparados com os nossos amigos, vizinhos, colegas. Quem hoje tem a coragem de apresentar-se com um telemóvel que não tenha um ecrã táctil? Quem que ainda tem na sala um daquelas televisões enormes e não um subtil ecrã? Quem tem a coragem de abdicar destes como de outros sinais de (falso) bem estar? Pode parecer uma regra de sentido oposto à primeira, e é assim de facto, mas com lógica: unidos perante ameaças exteriores, competitivos no interior. Erra quem pensa que a competitividade seja algo introduzido pela sociedade moderna: é outro sentimento primordial e tem a ver com a sobrevivência. A nossa sociedade simplesmente exasperou esta vertente por razões comerciais e de controle.

Estas duas "regras" (apenas duas das que temos de respeitar) são não escritas e mesmo assim particularmente fortes porque, como vimos, desfrutam algo que está no Homem desde tempos antiquíssimos, provavelmente desde sempre. Poucos são os que têm a força suficiente para quebra-las e normalmente aparecem em algumas revistas como "esquisitices": a família que escolheu viver sozinha no meio da natureza, só com recursos naturais, que recusa ter um carro, um telefone, etc.

Depois há uma dúvida: podemos estar absolutamente certos das nossas observações, mas qual a justa alternativa? Entretanto, temos de  confrontar-nos com um mundo que, compacto, continua na mesma direcção, com órgãos de comunicação que seguem rigidamente um determinado percurso, com vícios que tornaram-se hábitos.

Qualquer pessoas inteligente, perante estas "contrariedades", deixa aberta a porta para outras possibilidades: não podemos ter a certeza absoluta de estar sempre do lado certo. E cedo ou tarde a dúvida entra. E se afinal este fosse o melhor dos mundos possíveis? E se nós, como espécie, mais do que isso não podemos alcançar? E se esta fosse a única maneira de viver até os 90 anos, com uma saúde razoável, com uma certa segurança, com algumas comodidades?

Somamos isso tudo e o resultado é que todos acabam por estar presos no grande jogo. Até aqueles que acham estar fora dele: na melhor das hipóteses são a clássica excepção que confirma a regra, no geral são contrariedades que reforçam o sistema. Pelo que, talvez seja inútil pensar em grande revoluções. A nossa sociedade irá mudar só perante condições (exteriores ou interiores) que tornem impossível continuar segundo o caminho seguido até aqui.

Isso significa que não há nada a fazer? Que somos demasiado "fracos" para uma mudança qualquer?
Não: significa que partimos com uma ideia terrivelmente errada. Se a ideia for mudar a sociedade, antes de qualquer outra coisa temos que mudar nós, porque nós somos a sociedade. É inútil pensar em mudar a sociedade sem antes ter mudado a forma como as pessoas pensam e encaram a realidade: todas as pessoas, começando por nós.

Ficamos perdidos ao sair de casa sem telemóvel e queremos mudar o mundo?

Qualquer revolução (entendida não como combate sangrento nas ruas mas como época de mudança) funciona só se a maioria das pessoas estiver predisposta para aceitar uma nova realidade. A ideia dum pequeno grupo que possa liderar sozinho uma mudança é destinada a ruir, como sempre ruiu ao longo de toda a História.

Exemplo clássico: a Revolução de Outubro. Partida com os ideais comunistas duma restrita célula de pensadores, no prazo de poucos anos teve que tornar-se uma ditadura para sobreviver.

Mas então, como mudar a forma como as pessoas pensam? Como envolver a maioria? Só existe uma maneira: mudando a nossa forma de pensar. É inútil dizer que esta sociedade é uma porcaria, que não estamos livres, e ao mesmo tempo continuar a viver nela respeitando todas as regras, escritas ou não.
Podemos falar com os outros, explicar que o que se passa é uma vergonha, um escândalo. E os outros de certeza que vão concordar. Mas depois? Depois nada, tudo fica como antes.

Esqueçam a "consciencialização" das massas: sem alguém a dar um exemplo prático, algo tangível para ser seguido e imitado, nem um cabelo será mexido. Se a consciencialização das massas fosse coisa tão simples e eficaz, ninguém dos que agora estão a ler estas linhas estariam também a queixar-se duma sociedade que não funciona. Porque o que dito até aqui já foi repetido milhares de vezes por outros blogues antes deste e entretanto nada mudou (no caso: piorou).

Se a "consciencialização" das massas fosse eficaz, a simples visão dum telejornal despoletaria uma revolta imediata. Mas nada acontece: porque ninguém está pronto para mudar um vírgula da sua vida.

Mais uma vez, tudo tem que partir duma mudança nossa. E mais uma vez voltamos ao início, num círculo vicioso do qual ninguém consegue sair: o que podemos fazer nós? Tudo, não há limites, somos nós que criamos os nossos limites. O que estamos dispostos a fazer nós? Praticamente nada, pelas razões acima descritas.

Está tudo perdido então? Não. Isso é o que muitos gostariam de pensar ou fazer crer: um percurso inevitável, nenhuma esperança de ir além. Mas não é verdade. De todo.


Ipse dixit.

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Imagem: Carlos Farinha



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