Conspiração
Conhecimentos e galinhas
Então: mudamos?
Sim senhor: vamos acabar com o tríptico "Reflexões inúteis mas escritas como se fossem coisas com muita pinta". Hoje mudamos.
Mas como? Simples. Muito simples mesmo.
Só uma coisa: não tudo duma vez só, não estamos preparados.
Fomos criados e crescidos com uma única forma de pensar: não estamos habituados a mudar, não faz sentido passar de 8 para 80 de repente. Devagarinho. Começamos com pequenas coisas.
Vou repetir algumas partes de quanto escrito há quatro anos em "O que podemos fazer?".
Informação e curiosidade
Temos que ser curiosos e também humildes. Entender que o que sabemos é apenas uma parte da verdade: há muitas outras verdades lá fora que estão à nossa espera. A informação é a única maneira para poder formar uma ideia de forma consciente e ponderada. Sem informação, o máximo que podemos fazer é repetir as coisas ditas por outros, como um eco.
Onde informar-se? Na internet, por exemplo. Nem temos que gastar um dinheirão nos livros.
Em quais blog, sites ou páginas? Isso é simples: visitando as páginas que pensam de forma diferente da nossa. Se somos de Esquerda e frequentamos páginas de Esquerda nem precisamos de pensar, pois está já escrito tudo aí: a informação como nós gostamos, da forma como gostamos, com inclusive as críticas para as pessoas das quais não gostamos, tudo condimentado com as teorias que já conhecemos. Assim o nosso cérebro fica atrofiado, é como olhar sempre para um espelho.
Uma pessoa de Esquerda (ou de Direita, tanto faz) que lê só coisas da sua área política é uma pessoa com uma visão do mundo terrivelmente restrita. É o escravo perfeito: nunca terá os instrumentos para apoiar as suas ideias, a única coisa que poderá fazer será repetir o que os outros já disseram. É condenado a pensar apenas duma única forma, sempre na mesma direcção.
Que tal frequentar páginas onde ler de coisas que não conhecemos? Eu, quando estou aborrecido, abro Wikipedia (que está cheia de erros e omissões voluntárias, mas que serve para ter uma ideia geral sobre alguns assuntos, sobretudo seguindo os links externos no pé dos artigos) e procuro algo do qual gosto: começo a ler, depois clico nos links e acabo sempre para chegar em páginas que tratam de assuntos que nem imaginava existissem. Ao escrever a série sobre o Holocausto, acabei por ler uma página inteira sobre os cangurus...
Não há perigo em saber mais, o cérebro não arrisca explodir. O que aprendemos hoje pode ser inútil, mas amanhã poderá dar jeito. Mesmo que dê jeito, é sempre conhecimento: e o conhecimento nunca é demais (como diz Bilú: "Busquem conhecimento" lolololol).
Insisto neste ponto porque é uma das coisas acerca das quais sei estar certo (e acreditem: são poucas, mas poucas mesmo as coisas das quais estou certo). É o conhecimento que permite gerar dúvidas. É com as dúvidas que no nosso cérebro toca uma campainha de alarme: "algo não bate certo, não foi isso que li". É assim que podemos fazer as comparações, é assim que nascem as perguntas.
Perante uma pergunta ficamos curiosos, queremos uma resposta. E, de pergunta em pergunta, de resposta em resposta, acumulamos conhecimento, ideias. Com um conjunto de ideias poderemos formar uma teoria, a nossa teoria. Que, todavia, está errada (lololol!). Mas querem saber uma coisa? Não tem importância nenhuma, porque já entramos no circuito, estamos curiosos e mais abertos, iremos procurar novas respostas e com elas novas ideias.
Antigamente o conhecimento era apenas para os mais ricos: os livros eram raros e custavam muitíssimo, poucos eram aqueles que podiam permitir-se uma despesa daquele género. Hoje temos centenas e centenas de milhares de textos, livros, artigos, teses, tudo grátis, tudo tão perto. E nós nem temos a curiosidade suficiente para fazer algo que uma vez estava fora do alcance da maioria dos homens. Não acham isso um delito?
É com o conhecimento (que podemos chamar também cultura ou informação) que o mundo é governado. Sem conhecimento seremos para sempre escravos e mais nada do que isso.
Não há uma receita!
E mais?
Olhem, na verdade nada mais. Isso é: tudo o resto é apenas uma consequência.
Sem informação, a realidade é apenas aquela que os outros apresentam: o mundo acaba aí. Com o conhecimento, os horizontes se expandem. Uma vez que sabemos, podemos ver mais claramente coisas que antes nem teríamos imaginado.
No já citado "O que podemos fazer?" tinham sido acrescentados alguns pontos, nomeadamente: dar o exemplo, lembrar o passado (entendido como História e tradições), economizar, envolver-se e divertir-se. Mas pensando bem, tudo isso não faz sentido sem antes ter percebido o "porque". E o porque só pode ser encontrado saindo do círculo das informações pré-confeccionadas e procurando além.
Qual exemplo podemos dar se nem sabemos o que fazer? De qual passado podemos nós lembrar se desconhecemos qualquer passado? Como economizar de forma inteligente se nem sabemos quais alternativas existirem? Assim: envolver-se em quê se a única realidade que conhecemos é mesma de todos os outros?
Tudo passa pela recolha de informação, construindo um pequeno saber pessoal que possa ser alternativo. Só assim é possível combater o medo. Então o resto chegará de forma natural.
Pelo que o sagaz Leitor nesta altura perguntará: "E onde posso recolher informações objectivas, úteis e de confiança?". Olhem, boa pergunta. E a resposta é: "Boh?". Que talvez não seja particularmente exaustiva, mas é a melhor que possa ser dada.
Infelizmente não há uma Wikipedia das Teorias Alternativas. Nenhum "Manual para Entender o Mundo de Verdade". O que temos a distância dum clique é internet, e não é pouco. Os Leitores estão a ler este blog, que é apenas um dos milhares de blogues escritos em língua portuguesa. Depois há aqueles em Inglês, que são até mais. Então? Então procurem: nenhum blogueiro tem a verdade no bolso, mas cada um de nós ou dos Leitores que costumam comentar pode ter uma ideia interessante. Juntando todas as ideias interessantes, talvez seja possível encontrar uma espécie de teoria ou, pelo menos, algumas bases para começar a pensar duma forma ligeiramente diferente. Este é o princípio.
Depois, como já afirmado, é importante frequentar páginas que tenham uma visão radicalmente oposta da nossa. Isso é muito importante, porque permite sair da nossa zona de conforto e explorar novos territórios. Gostamos? Muito bem, encontramos coisas novas. Não gostamos? Paciência, vamos embora, nada perdemos (aliás, ganhamos sempre).
Sinto-me de dar apenas uma dica: fiquem longe das páginas que apresentem "verdades" absolutas. Religião, páginas científicas, políticas, teorias conspiratórias: ao encontrar algo dado como "certeza" saiam, pois é aí que podem ser encontrados os piores delírios. Uma vez, um Leitor fez-me notar como neste blog haja não poucas contradicções: pensei nisso e entendi que aquela era uma das coisas mais preciosas que me tinha sido dita. Significava que eu também estava a mudar de ideias com o tempo, que os meus pontos de vista tinham sido alterados: porque só os idiotas não mudam de ideias.
Seguir mas é a dúvida, sempre: se é para ter certezas, liguem a televisão.
O resto é com o Leitor: cada um de nós é diferente e acho não haver uma receita que possa funcionar para todos. Depois, uma vez fartos de tanto conhecimento:
Jogar, brincar, rir, são actividades fundamentais. Não "importantes", mas fundamentais mesmo. Desconfio profundamente das pessoas que não riem. Ainda pior duma pessoa que não dedica parte do próprio tempo ao jogo e ao divertimento. Uma pessoa que não consegue distrair-se e rir é uma pessoa doente.
Queremos mudar o mundo, mas no sentido melhor: não desejamos criar uma sociedade de activistas fundamentalistas, sempre envolvidos em caças aos maus.
Riam, em primeiro lugar de vocês.
Não chega? Olhem para as galinhas!
Chaplin:
Faltou algo essencial. A única revolução possível é a interior sim, mas como iniciá-la? O indivíduo é condicionado de todas as formas e maneiras pela ideologia burguesa e sua industria cultural/educacional, com seus valores truístas. Portanto, não há qualquer esperança sem que cada um de nós inicie um longo e penoso processo de desaprendizado existencial. Um desafio muito maior do que qualquer vaga esperança possa especular. E assim sendo, torno-me um potencial adquirente de "otimismos" propagados que mais alimentam os mesmos vícios do que preparam outro ambiente para o starter necessário.
Yep, é assim de facto.
Chaplin quer saber a verdade? Mas Chaplin já sabe a verdade.
Chaplin alguma vez viu um grupo de galinhas rebelar-se? Levantar o voo, pular a cerca, abandonar o pequeno quintal no qual estão fechadas? Acho que não, pois nenhuma galinha faz isso.
A maior parte dos galinheiros ao ar livre não têm cobertura superior: não é precisa. As galinhas não saem daí. As galinhas têm comida, têm bebida, um tecto debaixo do qual dormir à noite ou onde proteger-se nos dias de chuva. Porque deveriam sair da cerca? Têm tudo para viver confortavelmente.
A cerca é uma limitação? Não, é exactamente o contrário: a cerca é uma protecção. Fora dela há um mundo perigoso, onde andam bichos enormes assustadores. Isso para não falar do cão que queria entrar para assusta-las todas. Ainda bem que há a cerca.
É verdade que de vez em quando uma das galinhas desaparece para nunca mais voltar. Mas quem é que leva a galinha desaparecida? O homem, o mesmo que dá comida. Pelo que não deve ser nada de preocupante: provavelmente leva a galinha para um lugar até melhor. Um super-galinheiro, com todos os confortos, um verdadeiro paraíso das galinhas. Cedo ou tarde, todas as galinhas irão reencontrar-se neste paraíso das galinhas, onde o homem traz só a comida melhor. Tudo somado, a cerca bem pode ser apenas uma passagem.
Houve uma vez uma galinha suspeitosa que começou com uma conversa estranha: segundo ela, o homem matava as galinhas para come-las. Um discurso esquisito, que assustou os pintainhos. Mas que não faz sentido nenhum: em primeiro lugar porque ninguém alguma vez viu o homem comer uma das galinhas. Se assim fosse, haveria sangue e penas por todos os lados, depois alguém já teria assistido ao massacre e teria falado.
A seguir: qual o sentido de fazer engordar as galinhas se for para mata-las? O homem traz comida simplesmente porque gosta das galinhas, querem vê-las felizes. Se calhar foi o Deus das galinhas que assim decidiu. Aliás, pensando bem deve ser esta a explicação mais plausível. O homem que traz comida é um servidor do Deus das galinhas. E, indirectamente, é um servidor de todas as galinhas que vivem na cerca.
Já fora há o quê? O desconhecido e com este um sem número de outros perigos. É preciso lembrar do cão? Só isso provoca arrepios.
Agora, se faltasse comida ou água, isso sim seria grave. Isso justificaria aquele voo que nenhuma galinha alguma vez fez. Aí sim, todas as galinhas seriam obrigadas a pular a cerca para encontrar uma nova forma de vida. Seria uma questão de sobrevivência, deveriam encarar os perigos do desconhecido para alcançar uma nova ordem.
Até é dito que num passado muito, muito longínquo, um grupo de galinhas rebelou-se e tentou mesmo saltar a cerca. Houve uma enorme confusão, algumas galinhas morreram, outras perderam boa parte das penas. Para boa sorte, o homem estava atento: apanhou as galinhas rebeldes que ficaram de volta no galinheiro, a confusão acabou e a harmonia foi restabelecida. Um sinal de Deus, evidentemente: o lugar das galinhas é na cerca e ponto final.
Entretanto, a sociedade evoluiu e certas coisas já não acontecem. Hoje nenhuma galinha pensa seriamente em voar e podemos ficar descansados: nenhuma irá fazê-lo até existir comida e água para todas.
Ipse dixit.
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