Derivativos: tudo sob controle. Ou nem por isso.
Conspiração

Derivativos: tudo sob controle. Ou nem por isso.


Uma breve actualização dos dados.
No geral, os artigos de Economia ou Finança estão cheios de gráficos ou números, pelo que requerem maior atenção ou uma boa capacidade de análise; raramente os grandes números conseguem transmitir a imensidade que escondem.

Por exemplo: segundo o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements, BRI), a exposição de todos os grandes bancos dos EUA em matéria de Derivativos, no último trimestre de 2015, era de 247.000 biliões de Dólares. Isso é: 13 vezes a já enorme Dívida Pública dos Estados Unidos.

Dados confirmados pelo Departamento de Controle da Moeda (Office of the Comptroller of the Currency, OCC) que até apresenta o relacionamento entre Activos de cada banco e exposição. 

Exemplo, o banco Citigroup:
O que significa isso? Simples: significa que no final de Dezembro do ano passado, os contabilistas do Citigroup abriram o mealheiro do banco e ficaram todos contentes porque no interior tinham encontrado uma "poupança" de 1.800 biliões. Isso antes de morrerem enterrados pela avalanche de mais de 53 mil biliões de Dólares de exposição em Derivativos.

E a situação nos outros 4 bancos não é melhor:

A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) dos Estados Unidos, que deve garantir os depósitos bancários, pode cobrir eventuais perdas individuais com uma quantidade ridícula: 200.000 Dólares. Também tem 75 bilhões para cobrir eventuais falências de bancos; mas isso é nada quando comparado com os valores citados. Pegamos no caso mais simples, o do Wells Fargo: 75 biliões para colmatar um buraco de mais de 6.000 biliões?

A verdade é que tudo isso é pouco conhecido e há mais interesse do público acerca do próximo reality show do que acerca desta enorme bolha que paira por cima das nossas cabecinhas. Também porque os meios de comunicação continuam a tranquilizar sobre a saúde do sistema financeiro e bancário: sim, parece haver uns pormenores menos conseguidos, mas a capacidade de resistência está fora de dúvida, no geral a saúde é boa.
Tão boa que a exposição mundial perante os Derivativos é de 552.000 biliões de Dólares.

E aqui encontramos o outro problema: são números demasiado grandes, ao ponto que até deixam de fazer sentido. Para já não sabemos se for claro para todos o que é um Derivativo: e mesmo que seja, o nosso cerebrinho trabalha contra a perceção das reais dimensões do problema. Quem pode acreditar que perante uma bolha de dimensões tão avassaladoras ninguém fale disso, ninguém mexa um dedo, ninguém tente fazer algo?

Se fosse uma coisa séria, os economistas, normalmente pagos e sorridentes perante as câmaras do telejornal, ficariam preocupados, transpirados, explicariam que estamos perante algo totalmente fora de controle, que temos uma espada de Dâmocles por cima da nossa sociedade, tentariam propor soluções, justo?

E os homens mais poderosos? Realmente podemos pensar que o simpático Obama passe o tempo dançando o tango enquanto a nossa economia arrisca ruir dum momento para outro? Não, não faz sentido. Esta dos Derivativos deve ser uma daquelas coisas para pessoas que jogam na Bolsa, malandros que deveriam começar a trabalhar e que se por acaso perderem tudo, olhem, bem feito.

Para ter uma ideia

Depois, como afirmado acima, há as dimensões dos números.

Dizer "552.000 biliões" ou dizer "Zero" é basicamente a mesma coisa, porque ninguém pode ter noção do que são 552 mil biliões de Dólares. É uma quantia tão grande que deixa de fazer sentido. Já temos dificuldades quando se fala do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, com todos aqueles zeros... no máximo podemos dizer que "é muito".

Tanto para ter uma ideia: a exposição global em Derivativos é de 552.000 biliões de Dólares.
O PIB (para simplificar: a riqueza produzida num ano) de todo o mundo é de 73.170 biliões de Dólares (estimativas FMI para 2015). Isso significa que para poder pagar todos os Derivativos em circulação, o Mundo (todos nós, em todos os Países do planeta) deveria trabalhar 7 anos mais alguns meses, sendo que durante este período toda a riqueza produzida deveria ser utilizada apenas para amortizar a dívida. O que é bastante aborrecido, diga-se.

Pegamos num País como o Brasil, cujo PIB é de 1.772 biliões. Todos os Brasileiros (cidadãos, empresas...) deveriam utilizar toda a riqueza produzida ao longo de 311 anos antes de poder reembolsar o volume dos Derivativos em circulação. Demasiado tempo? Ok, então façam 139 anos, mas só para a exposição dos bancos dos Estados Unidos.

A propósito de EUA. Washington pode gloriar-se dum PIB que é de 17.947 biliões de Dólares: o que daria perfeitamente para pagar os Derivativos dos seus bancos, mas apenas após 13 anos (como antes: todos os cidadãos, todos as empresas, toda a "riqueza" do PIB, ano após ano...). E isso, como é óbvio, sem contar a Dívida Pública, caso contrário as contas ficariam ainda mais assustadoras.

A loucura dos Derivativos parece não ter fim: para construir um hospital de Emergency são precisos 20 milhões de Dólares (o mesmo custo duma hora e meia de guerra no Iraque). O valor total dos Derivativos seria suficiente para 27 milhões de hospitais. Seria o equivalente de 137.755 novos hospitais em todos os Estados, inclusive San Marino e Andorra (que deveriam ser ampliados porque nem espaço têm para tantos edifícios).

Os 552 mil biliões de Dólares de Derivativos em circulação dariam para eliminar a fome no mundo ao longo dos próximos 2.067 anos. Seriam 800 milhões de pessoas que deixariam de ter problemas de sobrevivência durante dois milénios...

Os cacos

Podemos sempre pensar: mas quem sabe qual terrível catástrofe seria necessária para provocar uma avalanche do valor de 552.000 biliões de Dólares. Mas não é bem assim: é por isso que é definida como "bolha", porque pode ser activada por algo de dimensões bem mais reduzidas e porque traz consigo um efeito domino que alimenta o fenómeno.

O melhor exemplo é dado pela crise dos Subprimes de 2007-2008, crise cujas consequências ainda estão bem visíveis. A origem de tudo, como sabemos, foi a emissão de empréstimos por parte de bancos dos EUA e destinados a clientes com poucas ou nenhuma possibilidade de reembolsar os mútuos.

O total dos Subprimes emitidos alcançou 600 biliões de Dólares em 2005, por isso bem antes da eclosão da crise. Mas ao considerar o total dos empréstimos concedidos no mesmo período, podemos ver como os Subprimes no máximo representaram menos de 30% de todos os mútuos emitidos na altura; e o período em que foram emitidos por valores acima de 10% foi limitado a 3 anos (desde 2004 até 2006).

Portanto, um valor minoritário, apenas num determinado sector do conjunto das actividades dum qualquer banco, foi suficiente para provocar a falência de centenas de instituições de crédito dos Estados Unidos e a mais profunda crise da economia global desde a Grande Depressão dos anos '30. Resumindo, isso:

Entre Estados Unidos e Europa só a Polónia continuou a ter um mínimo de crescimento. Não perguntem a razão, esta coisa ultrapassa-me. Talvez ninguém se lembrou de ligar para avisa-los.

Quem teve que pagar as enormes dívidas geradas? Os bancos? Não, não brinquemos. Citigroup, JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo (e falamos aqui só de bancos norte-americanos) são Too Big To Fail, os "demasiado grandes para falir".

Quem pagaria no caso da bolha de 552 mil biliões de Dólares? Ou mesmo da mais pequena, a de 247.000 biliões de Dólares? Agora percebe-se porque é melhor ignorar o assunto, dançar o tango e afirmar que o sistema está em boa saúde...


Ipse dixit.

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