Esquerda, Direita: o caso Italia
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Esquerda, Direita: o caso Italia


Faz ainda sentido falar de Esquerda e de Direita?

Nos Países ocidentais, pelo menos, estas definições permanecem como destroços dum tempo que foi mas que já não é.

Por duas razões: porque é claro que até hoje nem a Esquerda e nem a Direita foram capazes de apresentar soluções que respondessem aos principais problemas da sociedade; e porque uma distinção ideológica e sobretudo prática é cada vez mais difícil.

Magnífico exemplo provém da Italia destes últimos dias.

Após a queda do Muro de Berlim, a Esquerda encontrou-se orfã: a pergunta era "E agora, camaradas?". Uma pergunta priva de sentido do ponto de vista ideológico: a União Soviética nunca tinha sido um País comunista, mas as Esquerdas europeias sentiram a necessidade de encontrar um novo verniz (também porque além do Muro tinham desaparecido os financiamentos de Moscovo).

Em Italia o Partido Comunista partiu-se: em 1991 foram criados o PDS (Partito Democratico della Sinistra) e o PRC (Partito della Rifondazione Comunista). O primeiro tornou-se o principal partido da oposição enquanto o segundo, que nunca renegou os ideais marxistas-leninistas, começou um lento mas inexorável declínio até nem conseguir uma representação parlamentar. em 2008.

Mas nem o PDS teve vida fácil. Sem uma forte ideologia de referência e com não poucas contradições, o PDS transformou-se em DS (Democratici di Sinistra) em 1998 e finalmente em PD (Partito Democratico) em 2007. Foi uma longa travessia do deserto, durante a qual a Esquerda recolheu pedaços do antigo Partito Socialista, da ex-inimiga histórica Democrazia Cristiana, dos Repubblicani, dos Verdi, dos Social-democráticos mais outros partidos e movimentos menores.

Os eleitores é que eram sempre os mesmos. Abandonado o sonho revolucionário, após ter engolido o secretário do próprio partido que almoçou com a Rainha de Inglaterra no yacht Britannia, os ex-comunistas tinham pelo menos dois pontos para os quais sentir-se orgulhosos e que funcionavam como cola do movimento:
  1. o ódio visceral contra Silvio Berlusconi e toda a Direita no geral
  2. o sentido de superioridade ("temos uma cultura geneticamente superior")
A "coisa" assim criada apresentou-se nas últimas eleições como segura vencedora. E de facto ganhou, mas foi uma vitória amarga: o partido mais votado foi outro (o Movimento 5 Stelle de Grillo) enquanto Berlusconi ficou perigosamente próximo.

O resto é história dos últimos dias. E é a parte mais divertida.

Após uma situação de impasse, na qual é impossível formar um governo dada a incompatibilidade das três maiores formações, o Presidente da República acaba o mandato e é preciso eleger outra pessoa. Dado que em Italia o Presidente é escolhido pelo Parlamento, o cargo tem um significado particular, pois é o Presidente que confere o mandato para formar um novo governo.

Berlusconi propõe um homem dele, o mesmo faz o Partido Democrático e aqui acontece algo: Grillo, que é tudo mas não estúpido, propõe um homem do Partido Democrático, Stefano Rodotá, constitucionalista respeitado em todo o País.

O efeito é explosivo: as bases do Partido Democrático querem apoiar Rodotá, mas a Direcção escolhe Marini, homem da antiga Democrazia Cristiana. É o primeiro shock, pois todos percebem que a escolha mais lógica seria Rodotá que, se apoiado pelo PD e pelo 5 Stelle, seria eleito.

Marini não consegue os votos suficientes e Grillo continua a propor Rodotá. As bases estão cada vez mais inquietas, querem o constitucionalista, mas a Direcção avança com um novo nome: Romano Prodi. A Direcção do PD faz apelo a todos os deputados da Esquerda para que apoiem Prodi, mas isso não acontece e também o ex presidente da Comissão Europeia (Grupo Bilderberg e ex Democrazia Cristiana) é "queimado".

Nesta altura o Secretário nacional do PD demite-se porque "traído" e chega o segundo shock, o mais devastador: PD e Berlusconi conseguem um acordo para eleger o Presidente cessante, Napolitano, o rapazito de 88 anos. O shock é determinado pelo facto de Napolitano ter sido o Presidente que nomeou qual Primeiro Ministro Mario Monti, o homem Goldman Sachs, do qual ninguém sente saudade. É claro que Napolitano irá na frente segundo a mesma linha. De facto, logo após ter sido nomeado encarrega Enrico Letta para formar um novo governo.

Aparentemente é uma vitória do PD, pois Letta é o número dois do partido: mas os eleitores de Esquerda sabem o que isso significa.

Significa, em primeiro lugar, formar um governo com Berlusconi. Enquanto Grillo queria voltar às urnas e as bases da Esquerda gritava "Nunca com Berlusconi"; o partido aceitava formar o novo governo com o inimigo de sempre, em troca da cadeira de Primeiro Ministro. Um governo com Berlusconi: mesmo ele, durante vinte anos definido como o "Cavaliere", o "ladrão", o "palhaço", agora aliado, político com o qual partilhar os Ministérios, redigir um programa e governar.   

Depois significa outra coisa. Enrico Letta é membro da Comissão Trilateral, do Aspen Institue e já participou nas reuniões do Bilderberg (lembro que Letta é o número dois do maior partido de Esquerda...). Portanto, Napolitano (desde sempre homem de Esquerda) continua com a mesma filosofia seguida com Monti: homens dos bancos, homens ligados aos poderes fortes. De facto, outros futuros ministros do governo Esquerda/Berlusconi deverão ser Fabrizio Saccomani (Director da Banca d'Italia, Conselho de Administração do Banco Central Europeu), Giuliano Amato (consultor em Italia da Deutsche Bank) e pessoas que já fizeram parte do governo de Monti.

Euro, liberalismo económico, finança, poder: conceitos uma vez da Direita que foram assimilados pela Esquerda no prazo de poucos anos, ao ponto que hoje é difícil distinguir entre as duas formações. O governo em conjunto representa o lógico desfecho. Doutro lado, Esquerda e Direita já apoiavam o governo de Mario Goldman Sachs Monti, portanto a única verdadeira novidade é que agora os dois partidos terão que governar em primeira pessoa e não concedendo um simples apoio externo.

A alegada superioridade intelectual foi atirada às urtigas, os princípios revolucionários apodrecem no sótão, a defesa dos trabalhadores fica para a retórica dos sindicatos; o que sobra é um eleitorado traído, sem uma direcção; colunistas pasmados que das páginas dos jornais de Esquerda descobrem que os jogos de poder existem também nos homens que uma vez carregavam as bandeiras vermelhas; e um governo que terá de sobreviver quanto mais tempo for possível. Porque nas próximas eleições o partido que mais votos conseguirá reunir não será nem de Esquerda nem de Direita.

Este é o caso Italia.
Pasmem-se: não é o único.


Ipse dixit.



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