Ideia na Fed: juros negativos!
Conspiração

Ideia na Fed: juros negativos!


Prontos para um artigo aborrecido? Algo de economia?
Muito bem! Então vamos.

Na Federal Reserve (a Fed) fala-se com cada vez mais frequência de juros negativos do dinheiro.
Podemos pensar: "Então? Problema deles, nós já não queremos saber do Dólar!".

Não, problema nosso: porque BRICS & Yuan podem ser o futuro, mas agora estamos ainda todos atrelados ao Dólar. E se a Fed diz "azul" todo o mundo adopta o azul. Portanto, o que a Fed diz conta, e muito: não apenas conta na óptica das grandes empresas, conta também na nossa carteira.

Ora bem: Larry Summers, num discurso feito no Fundo Monetário Internacional, afirma que os juros muito baixos, perto do zero, não têm conseguido estimular o crescimento do PIB (o Produto Interno Bruto que, como sabemos, é a medida utilizada para avaliar o desempenho económico).

Quem é Larry Summers? Bom, é um economista estadunidense, já foi secretário do Tesouro dos EUA (com Bill Clinton), trabalhou no Banco Mundial, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Citigroup, Merrill Lynch e obviamente é hebreu. É preciso mais?

A maravilhosa teoria

A ideia é: se o dinheiro custar pouco (juro baixo), é mais fácil que haja investimentos.
Faz sentido.

Imaginem ir comprar um aspirador em prestações (como sempre: estas são simplificações extrema, tanto para tornar tudo mais discursivo):
"Quantos são os juros das prestações?"
"40%. Mas leva uma escova de dente como prenda".
Fogo, 40%... melhor ficar com a vassoura.

Pelo contrário, imaginem uma situação com juros baixos, tipo "3%": muito mais aliciante, não é?

Além disso: com juros na ordem do 40%, as pessoas tendem a deixar o dinheiro no banco. Afinal, ganham 40% sem mexer um dedo. Pelo contrário, com um juro perto do zero, o dinheiro na conta ganha... perto de zero. Isso significa que uma empresa tem mais interesse a investir em projectos lucrativos do que manter o dinheiro parado na conta sem ganhar nada.

O único problema é aquele dos cidadãos: eles têm dinheiro na conta e com juros perto do zero não
ganham nada. E dado que não têm investimentos nos quais participar, o dinheiro deles perde valor.

Mas tranquilos: está tudo previsto. A teoria ensina que se o dinheiro na conta nada ganha (juros próximos do zero), o cidadão gasta mais e isso ajuda a economia (o PIB cresce). Resultado: afinal o cidadão fica melhor, porque toda a sociedade ganha com uma economia em crescimento.

Não é preciso ser um génio da economia para entender que há umas falhas neste raciocínio. Um cidadão sem dinheiro pode ficar entusiasta observando o PIB crescer, mas quando entra numa loja e descobre não ter dinheiro para comprar o pão pode também ficar um pouco desapontado.

Mais uma vez: tranquilos, a teoria prevê tudo. Dado que o PIB cresce, as empresas ganham e os salários aumentam, pelo que ninguém fica sem dinheiro. Portanto a palavra de ordem é: gastar, gastar, gastar. Não há gasto? Então o PIB não cresce: tragédia.
Esta, pelo menos, a teoria. 

Pelo que o simpático Larry Summers propõe o quê? Baseando-se na genial teoria acima apresentada, ele faz o seguinte raciocínio: se até com juros particularmente baixos a economia não tem conseguido reanimar-se, então pode ser uma boa ideia introduzir os juros negativos. Segundo Summers, a Fed deveria fixar um valor negativo para os juros. Por qual razão? A razão é aquela descrita acima: é preciso estimular o PIB, mais investimentos, criar mais empregos (uma empresa que ganha com os investimentos assume mais), conseguir o Santo Graal do crescimento.

Mas a verdade é que um juro negativo não é coisa tão simples assim. Tem implicações na vida das pessoas, de todas as pessoas. Até nas nossas? Até nas nossas.

Há juros e juros...

Nos últimos anos temos assistido aos Quantitative Easing (QE), criação de dinheiro injectado na sociedade com juros ridículos, quase zero. Praticamente dinheiro atirado balde após balde. O Leitor pode pensar "Mas a mim ninguém atirou nem sequer um cêntimo". Pois, e a mim também, fique descansado. Na verdade, este dinheiro criado do nada e vendido com um custo próximo do zero (quando não zero mesmo) nunca chega aos nossos bolsos: é dado aos bancos.

E aqui encontramos o primeiro problema: os bancos não somos "nós". O que o simpático Summers se esquece de referir é que quando o juro for muito baixo, o banco ganha pouco com os empréstimos. Então o que faz? Investe na Finança, onde os ganhos são bem maiores. Moral: o dinheiro dos QE não chega até nós mas desvia antes (a queixa dos bancos actualmente é: "Não encontramos investimentos suficientemente lucrativos para conceder empréstimos").

Depois há um segundo problema no caso dos juros negativos. Este é um pouco mais complicado, mas vamos entender.

Hoje um Leitor normal deste blog tem (no mínimo) 1 milhão de Dólares na conta. Com um juro de 1% (baixo), ganha 10.000 Dólares. Não é muito, mas é sempre melhor do que nada.

E com um juro de zero? Simples: o Leitor fica com o seu milhão de Dólares, sem ganhar nada. E fica também enervado, por isso chega aqui e começa a insultar todos, a dizer que este blog não presta, etc..

Mas com um juro negativo? Aqui a situação é mais grave: não apenas não ganha, mas até perde dinheiro. Por absurdo: imaginemos um juro negativo de -1%. Sobre o seu milhão, o Leitor perde 10.000 Dólares. Fica histérico e a coisa piora porque vai ao banco e descobre que para levantar o simplesmente utilizar o seu milhão até deve pagar o banco.
Pagar o banco para utilizar o nosso dinheiro? Sim, exacto: quando os juros forem negativos é assim que funciona, porque o banco também sofre os juros negativos e perde dinheiro. Não ganha com os nossos depósitos, aliás, o dinheiro torna-se um custo.

Então porque o simpático Summers apoia a ideia dos juros negativos? Porque quando o dinheiro parado no banco se tornar um custo, mais vale gasta-lo. Pelo menos não perdemos nada: melhor investi-lo em algo que, eventualmente, pode fazer ganhar algo do que deixa-lo na conta a perder valor.

E eis que volta a grandiosa teoria: com juros negativos, as empresas perdem dinheiro na conta, pelo que preferem investi-lo e arriscar ganhar algo desta outra maneira. E o cidadão comum, aquele que como nós tem apenas um milhão de Dólares no banco? Mesma coisa: levantamos as nossas poupanças e vamos gasta-las, porque na conta só perdemos dinheiro. Gastam as empresas, gastam os cidadãos: é o triunfo da economia que volta a funcionar. Esta é a teoria de Summers, que está certa. Bom, talvez esteja certa. Ou talvez não.
Aliás: não.

Olha: a estagnação!

O juro negativo tem um problema: torna os cidadãos mais pobres. Desaparecem as poupanças
(porque, como afirmado, deixar dinheiro no banco significa perde-lo) e estas não são de imediato compensadas pelo eventual aumento dos salários (que até poderia provocar uma subida da inflação).
Mas o problema é ainda mais complexo.

As nossas economias, já há alguns anos (desde 2007), entraram numa fase de estagnação. Não é uma questão de juros, é uma questão macro-económica que já foi presente no passado. Os QE inundaram (literalmente) os mercados de dinheiro e nada aconteceu: isso porque o nosso sistema está doente, escolheu um percurso errado que não leva até o crescimento mas concentra as riquezas em poucas mãos.

Uma fase de estagnação não é por si obrigatoriamente negativa: por exemplo, pode ser uma óptima ocasião para redistribuir a riqueza, para planificar e rever as falhas não apenas da economia e da sociedade. Podemos bem encarar a estagnação como se fosse uma pausa: não há crescimento? Tudo bem, então é altura de ver e rever o que se passa e escolher um rumo para o futuro. Isso numa sociedade normal, claro.

Mas os economistas como Summers (e como Krugman, que apoia as ideias de Summers) não conseguem entender uma fase que não seja de crescimento. Na óptica deles, qualquer período que não comporte crescimento é um falhanço. E aqui encontramos o quid, como diziam os Romanos, o cerne da questão. A nossa sociedade, por como ela está estruturada, já não pode ter um crescimento como teve nas décadas passadas. Por várias razões: porque a riqueza se encontra demasiado concentrada em poucas mãos; porque os mercados estão saturados; porque vivemos um período de grande incerteza acerca do futuro (guerra? Não guerra?).

Claro: a História ensina.

A fase actual faz lembrar a grande estagnação que caracterizou o período entre 1873 e 1896. Um período estranho, onde estavam a preparar-se eventos extremamente dramáticos: as grandes crises económicas (especialmente a de 1929) e as duas guerras mundiais.

Desde a segunda metade do 1800, e especialmente desde 1870, aumentou o confronto entre os vários Países capitalistas avançados para a conquista das colónias e para a redistribuição daquelas já adquiridas. A longa estagnação de 1873-96 foi o sintoma (provavelmente o primeiro) do questionamento acerca da supremacia inglesa, até então indiscutível, e o surgimento de alguns novos poderes.

Basicamente é o que se passa hoje. Estamos no meio duma crise sistémica, com a supremacia dos EUA cada vez mais em discussão: e as potências lutam para controlar as novas colónias (em primeiro lugar o Oriente Médio e a África). Isso enquanto no horizonte aparecem aquelas que já são realidades: a Rússia e a China.

Significa isso que o futuro verá necessariamente eventos dramáticos? Não podemos responder agora e talvez nem interesse: a queda da Inglaterra foi um processo que demorou décadas, completado apenas com o fim da Segunda Guerra Mundial, 70 anos depois do início da primeira crise.

O que interessa, pelo contrário, é observar as manobras de quem, como Summers ou Krugman, entende muito bem o que se está a passar e mesmo assim propõe soluções para "relançar" uma economia catatónica. Interessa porque estas manobras, na verdade, não têm como fim relançar algo: a economia está em coma profundo e assim ficará até que alguém decida pôr um travão numa Finança controlada por um punhado de pessoas. Interessa porque Summers e Krugman bem sabem disso, mas nem lhes passa pela cabeça de citar o problema.

Reféns da Finança

Como sabemos, a Finança é hoje o "novo" grande jogo, cada vez mais afastado da Economia.
"Novo" porque em origem a Finança é o natural complemento da Economia: não é má, pelo contrário (a Finanças é a ciência e a profissão da gestão do dinheiro e o seu âmbito de estudo são as instituições financeiras, os mercados financeiros e o funcionamento dos sistemas financeiros nacionais e internacionais).

Mas esta Finança, aquela que temos, é assustadora, cada vez mais presente na sociedade disfarçada de empresas que fazem parte de empresas maiores, que fazem parte de multinacionais, que estão nas mãos dum grupo muito limitado de pessoas. Esta não é Finança: é uma oligarquia de vampiros.

Por esta razão, não interessa a quantidade de dinheiro "atirado" para a sociedade, porque a sociedade é controlada e gerida por esta oligarquia. Então, como explicar a "brilhante" ideia de Summers? Como um novo passo na direcção do empobrecimento geral dos cidadãos: retira-se o dinheiro das contas dos cidadãos para que este possa financiar o "jogo" da Finança.

Não é a primeira tentativa e não vai ser a última. A Finança hoje é fundada sobre um castelo de papel, onde o dinheiro real representa apenas uma mínima fracção do tudo. Uma Finança assim precisa de dinheiro real, precisa de todo o dinheiro possível. Por qual razão? Porque esta Finança não pode parar. A verdade é que no dia em que alguém pedisse para trocar parte daquele castelo de papel com dinheiro real, tudo desmoronaria com uma rapidez impressionante.

Lembram-se da crise dos subprimes em 2007? Um monte de papel na base do qual não havia dinheiro. O esquema do qual estamos a falar é exactamente o mesmo, muda a escala (que neste caso seria global).

Quantos bancos faliram desde 2007? E tudo apenas por uns empréstimos concedidos nos EUA. Quem fala hoje de eliminar ou controlar a Finança não sabe o que diz. A propósito, que fique entre nós, mas Occupy Wall Street foi algo muito parecido com um suicídio em massa: parem a Finança e amanhã vejam o vosso dinheiro desaparecer, as lojas vazias, as bombas de gasolina sem combustível. Porque todo o sistema dos bancos entraria em colapso. E sem bancos, na nossa sociedade, não há nada. A verdade? Somos reféns desta situação.

Solução!

Solução? Há. Utilizar este período de estagnação para rever o funcionamento da nossa sociedade, Economia e Finança em primeiro lugar. A segunda em particular deve ser encarada como uma bomba. O que fazemos perante uma bomba? Vamos trata-la com um martelo? Não: começamos a estudar a sua estrutura, com delicadeza, para perceber onde, como e quando intervir. Um fio errado e tudo rebenta. E ninguém deseja que tudo rebente, não é?

Summers e Krugman nem pensam em desactivar a bomba. Eles acreditam que o jogo tem que continuar, com a Finança alimentada mais uma vez por uma Economia que "tem" de voltar a crescer. Mesmo que isso passe por uma (nova) fase de empobrecimento geral. Porque o Santo Graal continua a ser o mesmo: o crescimento, medido com o PIB.

É possível um crescimento ilimitado num sistema limitado como o nosso? Afinal o planeta é o que é, os recursos são limitados. Bom, a minha resposta pode surpreender: acho ser possível um crescimento ilimitado, mesmo aqui, no nosso sistema limitado. Mas para que isso seja (eventualmente) possível, muitas coisas devem mudar. Muitas? Não, "muitas" ainda é pouco. Praticamente tudo: a nossa sociedade deve ser substituída por algo erguido por cima de alicerces completamente diferentes.

Na nossa actual sociedade, mudar só a percentagem dum juro significa enfrentar um incêndio com um copo de água. Meio cheio, porque meio já foi bebido pela Finança.


Ipse dixit.

Nota 1: a última imagem é do filme Nosferatu, eine Symphonie des Grauens ("Nosferatu, uma Sinfonia do Horror"), de Friedrich Murnau. O filme é antigo (de 1922), sem som, mas é considerado um dos marcos na história do cinema. Caso não o conheçam, aconselho espreita-lo nesta versão legendada.

Nota 2: Bom Fim de Semana para todos! 



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