Portugal: as novas medidas (mais do mesmo)
Conspiração

Portugal: as novas medidas (mais do mesmo)


Diz o sábio Krowler:
Hoje lá foram mais uns direitos adquiridos, entre os quais o aumento da idade da reforma, que passa para os 66 anos.
Os avozinhos, muitos dos quais são responsáveis por este governo existir, levaram mais um revés. Agora têm de se esforçar mais um ano para conseguirem finalmente dedicar todo o seu tempo ao consumo de programas TV tipo fast food.
Curiosamente não só não fazem nada para defender os adquiridos, mas muitos ainda concordam com esta linha de gestão financeira do país.

Nada mais a dizer.
Pois.
O Primeiro Ministro de Portugal apresentou ontem as novas medidas: Pedro Passos Coelho diz ter chegado a altura de "carregar no acelerador", o que faz um certo sentido: nesta altura, melhor acabar o trabalho e partir o País contra a parede duma vez por todas.
Idade de reforma mantém-se nos 65 anos, mas a reforma sem penalização só será possível aos 66 anos.
Pessoalmente adoro esta medida, quinta-essência do espírito democrático. A ideia é "escolhe livremente e sem pressões: podes entrar na reforma aos 65 anos e perder dinheiro ou aos 66, como nós sugerimos, e levar o dinheiro todo".
Uma medida que faz todo o sentido, sendo que o desemprego tornou-se uma prioridade para este governo: é sabido que quanto maior for a idade da reforma, quanto mais simples será encontrar um trabalho. Isso, claro, segundo os cálculos de Reinhart e Rogoff.

Nova taxa (“contribuição de sustentabilidade”) sobre as pensões, que terá como base a contribuição extraordinária de solidariedade que está a ser aplicada às pensões acima de 1350 euros. Passos Coelho disse que as pensões mais baixas não serão afectadas.
Sinceramente: quem receber uma pensão de 1.350 Euros é rico. Trata-se duma quantia miserável, é o mesmo valor do salário mínimo em França, menor do que o salário mínimo na Holanda ou na Bélgica. Mas em Portugal é um dinheirão, é justo que estas pessoas abastadas ajudem a sociedade. E depois não podemos esquecer o bónus: "as pensões mais baixas não serão afectadas", aqui vê-se quanto é sensível e geneticamente bom o governo.
Convergência das regras de determinação das pensões atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações com as regras da Segurança Social, "fazendo com que os trabalhadores do sector público e privado fiquem numa situação de maior igualdade".
Uma das poucas medidas com um certo sentido. Em teoria.
Em Portugal há disparidade entre sector público e privado e quem disser o contrário ou não sabe do que fala ou está em má-fé. Justo que seja tentada uma uniformização (a propósito: ao longo destas décadas todas o Tribunal Constitucional nada teve a dizer acerca da diferença no tratamento entre reformados públicos e reformados privados? Coisas esquisitas...).
O problema é outro: a tentativa aqui é alinhar "em baixo". Perdem os trabalhadores públicos mas não ganham os privados. Trata-se dum retrocesso em termos gerais.
Dispensa de 30 mil funcionários públicos, por via de rescisões amigáveis e das alterações da mobilidade especial.
Na minha óptica, um erro. A função pública em Portugal trabalha mal, mas a culpa não é do número de funcionários, é a falta de organização e de responsabilidade. Antes que despedir seria preciso reorganizar a função pública, tendo como objectivo uma pública administração moderna e eficiente; só depois faria sentido procurar eventuais exuberos (que com certeza existem) e avançar com as rescisões. Aqui faz-se exactamente o contrário: antes despede-se e depois, talvez, eventualmente, quem sabe, com um pouco de sorte, vamos reorganizar. Desta forma, fica apenas uma medida para poupar uns trocos sem beneficiar em nada a máquina do Estado.
Transformação do Sistema de Mobilidade Especial num novo Sistema de Requalificação da Administração Pública, impondo um limite de 18 meses para a permanência dos funcionários públicos neste regime.
Ler "Sistema de Requalificação" faz um certo efeito, sem dúvida, mas não é o caso para ficar impressionados: é uma prateleira onde os futuros desempregados da função pública são arrumados ao longo de 18 meses. Depois é só rezar.
Aumento do horário de trabalho da função pública de 35 para 40 horas semanais em 2013.
Mesmas considerações do que antes: em teoria é justo, na realidade é um nivelamento "em baixo", sem que a máquina do Estado consiga ganhar em produtividade com isso.
Férias dos funcionários baixam de mais de 25 dias por ano para 22 dias em linha com o sector privado. Carta de Passos à troika também diz que passam a aplicar regras de despedimento colectivo no sector público.
Mais do mesmo: em teoria é justo, na realidade é um nivelamento "em baixo", sem que a máquina do Estado consiga ganhar em produtividade com isso.
Revisão da tabela remuneratória única, em conjunto com a elaboração de uma tabela única de suplementos para aplicação aos trabalhadores em exercício de funções públicas, para nivelar as remunerações com os salários praticados na economia.
Mesma coisa, nem vale a pena repetir.
Idade de acesso à situação de reserva e pré-aposentação nas Forças Armadas, GNR e PSP passará dos 55 para os 58 anos
Mais uma vez:: em teoria é justo, não são estes os únicos trabalhos "desgastantes". Na realidade, mais um nivelamento "em baixo", sem que a máquina do Estado consiga ganhar em produtividade. E os desempregados agradecem.
Aumento em 0,75 pontos percentuais da contribuição para a ADSE e para a Assistência na Doença dos Militares (ADM) e os Serviço de Assistência na Doença (SAD) da PSP e GNR já neste ano, e mais 0,25 pontos percentuais no início de 2014.
Tradução: diminuição dos salários. Como já sabemos, diminuir os salários faz aumentar os consumos, diminui o desemprego e ajuda o crescimento. É todo o País que ganha substancialmente com isto.
Poupanças de, no mínimo de 10% face a 2013, nas despesas correntes dos ministérios.
Esta a tabela dos cortes nos ministérios ao longo dos próximos três anos (2013, 2014 e 2015), tal como apresentada pelo Primeiro Ministro na carta enviada para José Manuel Durão Barroso, Mario Draghi e Christine Lagarde (valores em Euros):
Segurança Social: 819 milhões
Educação: 756 milhões
Economia: 486 milhões
Saúde: 288 milhões
Defesa: 134 milhões
Justiça: 127 milhões
Governação e Cultura: 116 milhões
Representação Externa: 42 milhões
Agricultura, Mar e Ambiente: 34 milhões
Administração Interna: 31 milhões
Corte de 819 milhões na Segurança Social e de 756 milhões na Educação: são as áreas onde as "poupanças" vão ser mais pesadas. Ainda alguém com vontade para falar em "direitos"?

Portanto, esta é a receita apresentada pelo governo. Após dois anos de falhanços ininterruptos, o executivo decidiu percorrer a mesma estrada com imutada confiança, na certeza de que as novas medidas irão piorar a já precária situação.

Doutro lado, "a confiança dos mercados cresce", isto é importante: mais confiança significa mais possibilidade de obter novos empréstimos, e novos empréstimos significam novas dívidas e novos juros. Tendo Portugal perdido a possibilidade de criar moeda, a possibilidade de sobrevivência está ligada à capacidade de contrair dívida e pagar juros. Para sempre.

É ou não é uma boa perspectiva?


Ipse dixit.

Fontes: Público, Carta do Primeiro Ministro à Troika (ficheiro Pdf), Wikipédia



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