Administração Pública: algumas ideias
Conspiração

Administração Pública: algumas ideias


Diz o nobre Nemo:
Gostaria de ver um post sobre porque é que a função pública não funciona bem e que soluções propõe para a tornar "moderna e eficiente".
Bem visto: criticar é bom, mas propor é bem melhor.
Então vamos ver quais as possíveis medidas para tornar uma máquina do Estado mais funcional.
Algumas ideias:
  • Formação das chefias
  • Consultoria dos privados 
  • Revisão do sistema de remunerações
  • Informatização total dos serviços, com software open source
  • Crowdcollaboration
  • Fiscalização anónima dos serviços
  • Aumento dos canais de interface Administração Publica /Utente
  • Introdução da auto-certificação e balcões automatizados.
  • ID da prática
  • Análise/Colaboração com Administrações Públicas estrangeiras
  • Despedimentos

Mais em pormenor (nota: A.P.=Administração Pública):
  • Formação das chefias
Em Portugal o problema é sim que parte dos trabalhadores desenvolverem mal as próprias tarefas, mas não é esta a generalidade dos casos: o que falta maioritariamente é a capacidade de gestão, que pertence às chefias.
É necessário que a A.P. seja organizada de forma empresarial e para fazer isso é imprescindível uma adequada formação de quem tiver capacidade de gestão. Cursos de Gestão, constantes actualizações obrigatórias, uma maior responsabilização com auditorias sobre a implementação das medidas: sem tudo isso, nada vai mudar e a A.P. permanecerá um reservatório de votos para os partidos políticos.
  • Consultoria dos privados
Numerosas empresas privadas de grandes dimensões resolveram o problema da eficiência após estudos dedicados. É o caso da Toyota, que com o programa Toyota Way conseguiu implementar um sistema de produção segundo as normativas de qualidade ISO, diminuindo os desperdícios, os tempos mortos, respondendo com rapidez perante os pedidos dos clientes.

Não se fala aqui da "optimização dos recursos humanos" que muitas vezes subentende uma série de despedimentos, nem de obrigar o trabalhador a fazer mais em troca do mesmo dinheiro: trata-se de definir objectivos, redefinir as tarefas, reorganizar os processos internos tendo como fim a implementação de esquemas de trabalho menos dispersivos e mais eficientes, aplicar uma filosofia de trabalho. Não é simples, mas se foi possível nas empresas privadas, nada impede que não possa ser aplicado no sector público também.  
  • Revisão do sistema de remunerações
As remunerações devem estar baseadas não na idade do serviço mas na capacidade de atingir objectivos. A actual ideia é: mais tempo trabalhas, mas experiência e capacidades adquires, por isso representas uma mais valia que tem de ser reconhecida e devidamente recompensada. Verdadeiro em linha de princípio, falso em muitos casos.

Uma A.P. tem que fixar anualmente os próprios objectivos, em colaboração com representantes do governo, dos sindicatos e das associações dos utentes (e com a comparação com as A.P. estrangeiras, ver "Análise/Colaboração com Administrações Públicas estrangeiras"). Promoções e aumentos só podem ser concedidos se os objectivos forem cumpridos no período de tempo pré-estabelecido.

Os avanços de carreira e os relativos aumentos de salário só podem existir perante um conjunto de resultados positivos, isso é, objectivos cumpridos ao longo de vários anos (não apenas de um só, como é óbvio). Entretanto, é possível estabelecer prémios de produção intercalares (não avanços na carreira), individuais ou colectivos (mas com grupos limitados), que podem ser entregues ao longo dos 12 meses sucessivos ao ano em que os objectivos forem atingidos.

Os resultados das avaliações intercalares e dos objectivos anuais devem ser tornados públicos, repartição por repartição, escritório por escritório: a A.P. existe unicamente para atender o cidadão e é o mesmo cidadão que paga o serviço, portanto este tem todo o direito de saber como é utilizado o dinheiro dele. Lembro de que a questão da privacidade no âmbito da A.P. não faz sentido nenhum.
  • Informatização total dos serviços, com software open source
Informatizar significa tornar mais rápidos os serviços.
Não há nada que não possa ser feito com o sistema Linux, por exemplo, e não custa um tostão.
  • Crowdcollaboration
A pequena cidade de Santa Cruz, na California, enfrentou um problema orçamental: logo abriu uma plataforma online para que os cidadãos pudessem apresentar sugestões. O orçamento foi assim analisado, foram propostas novas ideias e encontradas soluções.

O que é importante reter deste exemplo é que uma A.P. fechada em si mesma não faz sentido: nasce dos cidadãos para os cidadãos, é portanto lógico que os cidadãos possam constantemente participar no processo de melhoramento. O que vemos hoje é uma A.P. encarada como um serviço oferecido pelo Estado. Este é um erro que traz as consequências notórias: um serviço disfuncional, não adaptado à realidade e às exigências dos utentes.
A A.P. é, entre as outras coisas, o principal interface entre Estado e cidadãos; portanto, uma A.P. moderna não pode prescindir da implementação duma gestão combinada por parte de ambos os utilizadores, Estado e cidadãos.
  • Fiscalização anónima dos serviços
Muitas empresas privadas utilizam um sistema externo de avaliação. É providenciado um cliente (o "cliente mistério"), por parte duma empresa externa, que requer um produto ou um serviço: a seguir preenche uma ficha com a qual fornece uma série de avaliações baseadas na própria experiência. Existem dados objectivos (tempos de atendimento, por exemplo) e subjectivos (simpatia dos funcionários, etc.). Os resultados são tornados públicos, com datas, nomes, avaliações.
Acreditem: funciona e o custo é mínimo.
  • Aumento dos canais de interface Administração Publica/Utente
Internet, Call Centers, Telemóvel, Smartphones: são medidas que não implicam um grande investimento, sobretudo considerando as vantagens derivadas. Útil também um serviço de guias para o cidadão com o sistema Wiki.
  • Introdução da auto-certificação e balcões automatizados
A primeira é uma medida em função há mais de 10 anos em outros Países, como em Italia. E funciona.
Como? Muito simples: porque tenho que fazer uma fila de 15 minutos para obter um papel no qual está escrito que nasci no dia x? Porque não posso escrever eu, cidadão, o mesmo papel? A minha palavra não conta?

A auto-certificação funciona bem nos casos das certidões, por exemplo.
Também já experimentei com satisfação os balcões automatizados: atestados de qualquer tipo, certidões não exequíveis com a auto-certificação, etc.
  • ID da prática
Esta é uma medida já introduzida nos correios, por exemplo: cada prática traz um número de identificação, que é entregue ao utente. Via internet, o utente pode seguir em qualquer altura o percurso da prática, ver em quais repartições eventualmente pára, pedir explicações.
Do lado da A.P., cada funcionário fica responsável por um número pré-estabelecido de práticas: é ele que tem que seguir o percurso e responder directamente ao cidadão/empresa interessado (via telefone, via internet).
  • Análise/Colaboração com Administrações Públicas estrangeiras
Não há nada de mal em colaborar com as homólogas administrações dos outros Países: perante casos de sucesso, seria boa ideia tentar implementar medidas que já resultaram nos Países de origem.
Um exemplo banal: a Câmara de Genebra, na Suíça, dividiu o trabalho de registo das propriedades públicas em micro-actividade. A seguir colocou as mesmas numa plataforma online, como se de um videojogo se tratasse; obviamente só para dependentes da autarquia.

Qual o problema em analisar as soluções que resultam e tentar implementa-las, adaptando-as se for o caso, aqui?

Neste País criam-se comissões por tudo e mais alguma coisa: nunca vi uma comissão que tivesse como assunto "porque é que no estrangeiro esta coisa funciona e aqui não?". Seria um bom ponto de partida.
  • Despedimentos
Por último, os despedimentos.
Só uma vez reformada a A.P. será possível estabelecer se haja ou não sobre-número de trabalhadores. Não antes. E, caso haja, teria o Estado que proceder com despedimentos? Na minha óptica sim. Mas não podemos esquecer que um dos males da A.P. portuguesa é ter repartições com demasiado pessoal enquanto outras têm falta. Lógico, portanto, que os funcionários possam (e devam) ser transferidos, mesmo que para funções pelas quais não foram contratados. Doutro lado, a alternativa seria o despedimento, neste caso legítimo.

Em boa verdade, é mais simples de dizer do que de fazer: cada função requer uma habilitação e deveria ser o Estado a proporcionar a formação. Existiria assim um período de transição, provavelmente não inferior a um/dois anos; mas é esta a única solução para optimizar a distribuição do pessoal no interior da máquina pública.

E se mesmo assim houvesse "excedentes"? Pessoalmente estou convencido de que com a tal redistribuição, muitos dos excedentes de hoje poderiam encontrar uma nova colocação para o futuro. Mas se assim não fosse, então o Estado seria obrigado a resolver os contractos, introduzindo no sector público a possibilidade do despedimento, tal como no sector privado (por qual razão no privado sim e no público não?). E aqui entramos numa área delicada: quantos despedimentos? Quando? Com quais modalidades? É complicado.

Mas tentamos ver as coisas sob uma nova perspectiva: quantos lugares de trabalho hoje existem apenas para justificar o "tacho"? Como isto influi na capacidade produtiva da A.P.? Vale a pena pagar pessoas que pouco ou nada fazem (porque sabemos que há) e até atrapalham o desenvolvimento das funções para as quais a A.P. existe? Na minha óptica não faz sentido, até é um insulto perante as pessoas que trabalham, mesmo no interior da A.P. O Estado não é a Cruz Vermelha: função dele é fornecer as condições para que seja criado emprego (por exemplo, com uma A.P. eficiente), não assumir milhares de desempregados.

São estas as medidas para uma A.P. moderna e funcional? Talvez não, provavelmente haverá muitas mais opções. Mas acho que seria um bom começo.

P.S: sugestões são bem vindas, como sempre.


Ipse dixit.



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