Então, como vai a economia dos Estados Unidos?
Porque é inútil fingir o contrário: eventuais mudanças do Império atingem todos, cedo ou tarde.
Sim, está o
shutdown, sabemos isso: mas o resto? A economia real?
Diz o relatório preparado pelos economistas John C. Bluedorn , Joerg Decressin e Mark E. Terrones, do Fundo Monetário Internacional :
O colapso dos preços dos activos mostra que a recessão já começou e também os estoques [...] começam a diminuir mais do que diminui o valor dos imóveis. Estes sinais são suficientes para prever a chegada da recessão.
Portanto: alegria!
Mas vamos lá ver: afinal, o facto dos preços das açcões terem tido uma baixa não prova que haja uma verdadeira recessão económica. Nem servem como provas o bloqueio do governo (o tal
shutdown), o mercado das casas que não reparte, a confiança das pessoas que estão sob os calcanhares, o desemprego que continua teimosamente muito alto, o aumento do nível da pobreza extrema, a cada vez maior dependência dos mais pobres dos vales-refeição, a baixa propensão ao consumo, a estagnação dos salários, a queda dos rendimentos da classe média, o aumento da desigualdade social.
Todos estes são sintomas de algo um pouco diferente. Porque haverá uma nova recessão, e será algo de muito grave, disso não tenham dúvidas: mas não já, não agora (a não ser que em Washington os Republicanos continuem a não conceder o aumento do tecto da dívida: mas este seria um suicídio político).
Na verdade, o que acontece nestes meses é a lógica consequência dum percurso que foi anteriormente traçado: continuar a empurrar o País para um rumo errado, negar a chegada duma nova recessão, deixar que a riqueza flua para os cofres de poucos. Porque é isso que acontece.
Obama, a fraude
O simpático Presidente Obama com o seu
yes we can não passou duma operação de marketing, muito
bem conseguida, diga-se: após a Era do Terror do sempre saudoso Bush, era necessário alguém com uma cara simpática e que transmitisse confiança, o símbolo da mudança: quem melhor dum jovem, o primeiro presidente preto, e com tendências de "esquerda" (com aspas necessárias, pois sempre de EUA estamos a falar)? O lema é sempre o mesmo: mudar tudo, para que nada mude.
E, de facto, os partidários de Obama sentem-se hoje enganados, desanimados. Obama não é o homem da mudança tal como eles esperavam. Aumentou as frentes de guerra, reduziu os programas essenciais para a rede de segurança, agraciou os criminosos de Wall Street e continuou os ataques às liberdades civis: fez tudo para aumentar os lucros das grandes empresas e dos bancos, e conseguiu.
Os lucros de bancos e empresas subiram 18,6 % no ano passado; agora, tais lucros representam a maior percentagem do PIB do que em qualquer outro momento da história americana.
Dito com outras palavras: nunca bancos e corporações conseguiram lucros tão elevados.
Ao mesmo tempo, os salários reais caíram quase 7% nos últimos sete anos, segundo os dados recolhidos pelo instituto de pesquisa PayScale: os trabalhadores americanos têm hoje menos poder de compra do que tinham antes da crise financeira.
E as revelações de PayScale são apenas a mais recente de uma série de investigações que mostram que a lenta recuperação económica não tem foi bem isso: alguns recuperaram (poucos, muitos poucos), outros nem por isso (a maioria).
A desigualdade nos rendimentos nos EUA atingiu um novo recorde, proporcionando enormes ganhos para apenas 1 % da população; por acaso, os mesmos que estão satisfeitos com a estagnação dos salários que atinge praticamente todos os outros.
Outra investigação, desta vez da Gallup: se dum lado as grandes empresas e os bancos estão a obter
lucros recordes, do outro "a confiança em todos os três ramos do governo federal caiu aos níveis mais baixos de sempre" e, ao mesmo tempo, a confiança "dos norte-americanos nos bancos" caiu até 18%: abaixo do valor atingido no auge da crise financeira global".
Os norte-americanos perderam a fé no governo, já não têm confiança no mercado, já não têm confiança no sistema judicial. Lentamente, essa falta de confiança vai ser transmitida para a economia, e os consumidores, cada vez mais cautelosos, começarão a pôr de lado um pouco mais dos seus ganhos para proteger-se contra a oligarquia do governo corporativo. É natural que assim aconteça: não pode haver uma economia saudável com níveis de confiança tão baixos.
A desaceleração do consumo pessoal vai ter um impacto sobre as vendas no varejo, bens duráveis, nas assumpções de pessoal e no investimento de capitais. Vai arrasar aqueles que eram os primeiros (e ténues) sinais de que a economia poderia estar numa condição de retoma.
Previsões demasiado pessimistas? Pode ser. No entanto, não é possível esquecer alguns dados: há sectores económicos que já estão a mostrar sinais de fraqueza. Por exemplo, o caso do sector imobiliário, muito sensível nos EUA.
Global Economic Intersection:
O registo imobiliário mostra um claro declínio na procura, e, talvez, vendedores ainda mais motivados para sair do mercado. A tendência segue o padrão que emergiu em 2010 [...] e indica que o mercado imobiliário está a chegar a um ponto crítico em que nem uma intervenção da Fed nem do Governo Federal poderão dar-lhe um pouco mais de oxigénio.
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Rácio das casas novas vendidas no período 1994 - 2014 (previsão) |
CNBC:
O eventual impasse no aumento dos preços das habitações [...] provocaram a saída de investidores do mercado dos pequenos proprietários e das rendas:
Acho que o mercado dos investidores esteja largamente ultrapassado", disse Doug Lebd, CEO de Lending Tree. "Comprávamos propriedades para investimento três, quatro, cinco anos atrás. Agora sinto uma forte desaceleração".
Segundo Mohamed El - Erian, da Pimco, "Praticamente todos os mercado movem-se em níveis artificiais", ao passo que os investidores estão "a tomar mais riscos do que poderia ser justificado".
PayScale, Gallup, Global Economic Intersection, CNBC, Pimco: não são propriamente blogues sensacionalistas.
A bolha e as cabecinhas
Depois há o discurso que já conhecemos: a bolha. Não uma simples bolha, mas uma super-bolha. Uma bolhaça. Com a decisão de continuar com o programa
Quantitative Easing, a Federal Reserve tenta caminhar sobre a água. Só que nem todos têm dons sobrenaturais.
E aqui é importante realçar um facto: emitir moeda sem cobertura (o
gold stantard já foi há muito) não é uma tragédia, bem pelo contrário. Pode constituir um válido incentivo para a retoma económica: pensamos, por exemplo, nas obras públicas que um Estado pode iniciar com uma injecção de dinheiro.
E aqui o sagaz Leitor pode perguntar: "Mas não é isso que acontece nos Estados Unidos? Porque Washington está em
shutdown se a Fed pode emitir moeda de forma ilimitada? Então para onde vai o dinheiro emitido pela Fed?".
Ohé, sagaz Leitor, calma, uma coisa de cada vez.
O assunto é complicado, por isso vamos simplificar ao máximo: a Fed não imprime dinheiro para inseri-lo nos cofres do Estado. O que faz a Fed é entregar o dinheiro aos bancos comerciais para que estes possam adquirir maioritariamente Títulos emitidos pelo Estado. É uma forma de financiamento indirecto, por assim dizer.
Mas este sistema apresenta um problema: favorece a especulação por parte dos bancos, que acham mais atractivo (e seguro) ganhar com os Títulos de que com o crédito para as empresas. Na prática , não é liquidez injectada no mercado mas só num sector dela, o especulativo.
Doutro lado, o Estado gasta boa parte do que ganha com as vendas dos Títulos no pagamentos dos juros maturados pelos Títulos já na posse dos investidores.
Assim chega-se ao
shutdown (Estado sem dinheiro para pagar os serviços federais) e a uma condição na qual ganha quem? Exacto: os bancos. Porque não pagar os juros maturados significaria declarar falência, por isso antes são fechados os serviços ao cidadão, e só depois, como extremo recurso, pode ser declarada a falência.
Repito: tudo isso dito de forma muito simplificada.
Mas vamos em frente, pois desta forma, o dinheiro injectado:
- não ajuda na recuperação económica
- favorece apenas os especuladores (bancos e grandes investidores)
- baixa cada vez mais o valor do Dólar.
Isso porque, nesta altura, a moeda americana não tem atrás de si o ouro como valor, mas uma imensa dívida que continua acrescer.
É um jogo muito arriscado. É verdade que os bancos privados navegam agora num oceano de liquidez, mas é uma liquidez "falsa", fundada inteiramente sobra uma dívida de proporções colossais.
Nestas condições, pode bastar pouco para que o inteiro castelo de cartas desmorone.
Esta é a bolha gigantesca que paira sobre as cabecinhas dos americanos. E sobre as cabecinhas dos habitantes das províncias do Impero também.
Ipse dixit.
Fontes: Bloomberg, PayScale, Huff Post Business (1, 2), Gallup: Trust in Banks (ficehrio Pdf, inglês), Global Economy Intersection, CNBC, Reuters, The Wall Street Journal
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