Não costumo comentar o que escrevem os outros blogues e isso por uma razão muito simples: não sou o dono da verdade, por isso não tenho direito de "julgar" o trabalho dos outros.
Dito isso, é verdade que o desejo dum Leitor é uma ordem, portanto...
O blog Alarico Trombeta é um blog simpático, daqueles que aprecio, pelo simples facto de que exprime suas opiniões. Posso não concordar com o conteúdo (e não concordo, de todo) mas é preciso dar o justo mérito a uma mente que pensa.
E o conteúdo? Bom, aqui o discurso fica mais complicado.
Eu vivo na Europa e por aqui já temos problemas de sobra, nunca fui para o Brasil (e cedo ou tarde terei que decidir-me) mas conheço um pouco (o mínimo, que fique claro) por via de leituras, da televisão (costumo ver Record Tv e Tv Brasil...não são o máximo mas é sempre melhor do que a Globo que é paga), do que dizem ou escrevem os Leitores, de algumas amizades cultivadas mesmo aqui,a partir do blog.
Dito isso, o Brasil sempre fez-me pensar a um estado de "evolução" democrático que alguns Países ocidentais já atravessaram. Não falo de "atraso" do Brasil, não é isto que está em causa: mas ninguém pode negar que o País conheceu a democracia tarde, mais tarde do que outros Países, e, apesar de evoluir muito rapidamente, há passos que são obrigatórios, que têm de ser percorridos e que não podem ser simplesmente "saltados".
Nomeadamente, algumas partes do conflito entre a "Direita" e a "Esquerda" fazem-me lembrar o que acontecia na Italia nos anos '50 e primeiros '60 do século passado: uma época que não vivi (ainda nem tinha nascido) mas que pode ser facilmente encontrada não apenas nas memórias de familiares ou parentes como também em filmes. Em particular, na série que teve origem nos livros de Giovanni Guareschi.
Guareschi criou duas personagens, Don Camillo e Peppone, que bem "fotografam" a vida política
italiana daquela época. Não a vida política nos centros de poder, mas a política vivida do dia-a-dia, com as lutas entre quem tinha atravessado a Segunda Guerra e a proclamação da República: o quotidiano de quem via na oposição política o inimigo, portador dum ideal económico e social ruim.
Nomeadamente, a luta era entre a vertente católica. conservadora, e a comunista.
Hoje em dia aqueles livros ou películas, que na altura tiveram um enorme sucesso, perderam boa parte do fascínio pela simples razão que estão ultrapassados. Já quase ninguém fala de Comunismo, já quase ninguém vai para a igreja, mas na época aquela era a realidade. E se os livros de Guareschi apanharam o lado mais divertido da situação, a realidade era muito menos simpática: houve mortos, e não falamos apenas de "alguns mortos", falamos de números que ultrapassaram o total de 5.000.
Este é um daqueles "passos obrigados" que uma jovem democracia tem que atravessar. É preciso esperar que novas gerações avancem para que possa surgir uma nova realidade, mas isso requer tempo.
Portugal é outro bom exemplo.
Aqui, sendo a democracia um pouco mais jovem (é de 1974), ainda há mais pessoas que agitam o fantasma de velho regime. Mas as novas gerações pouco ou nada sabem dele e já raciocinam de forma bem diferente, têm outro tipo de visão.
Também no caso do Brasil não falamos de História mas de algo que a maioria dos Brasileiros viveram; e isso criou uma bagagem feita de recordações, medos, inimigos, coisas que são bem vivas e que não desaparecem dum dia para outro.
O Brasil arrisca precipitar no Comunismo por causa do PT? Duvido muito.
O Brasil está muito bem inserido no mercado mundial e deve o impressionante crescimento dos últimos anos ao facto de ter escolhido, de forma consciente, a estrada do livre mercado. Como do outro lado fizeram todos os Brics.
Voltar atrás? Mesmo que um líder qualquer quisesse isso, chocaria com a lobby das empresas que produzem, exportam e têm relacionamentos comerciais com todos os cantos do mundo. Isso para não falar das manobras que a CIA logo implementaria para travar qualquer "desvio": os Estados Unidos podem tolerar (e muito mal) uma Venezuela "comunista" (com muitas, mas mesmo muitas aspas), podem tranquilamente tolerar uma Bolívia "comunista", mas não um Brasil. E os Brasileiros bem sabem como já no passado as ingerências norte-americanas condicionaram a vida do País.
O que se está a passar na Argentina deveria ensinar algo.
Dilma comunista? Dilma não é comunista, assim como Fidel Castro não é comunista, assim como
Putin não é comunista, assim como Hugo Chavez não era comunista, assim como Estaline não era comunista. E seria possível continuar: tentamos não confundir o Capitalismo de Estado (ou a oligarquia, culto da personalidade) com a utopia comunista.
Mas isso interessa até um certo ponto. A época dos "-ismos" acabou. Estes serviram para condicionar as escolhas ao longo dum determinado período histórico, mas agora estão definitivamente ultrapassados. Esta é a época do individualismo, uma altura em que as ideologias são guardadas no sótão em favor do "Eu&Mim", um hedonismo que implica o progressivo desempenho do indivíduo e deixa a estrada livre para um (aparente) caos/vazio, na verdade bem controlado.
Claro, ainda há os nostálgicos, os que acreditam no partido, na utopia (de ambos os lados). Mas são marginais que já não determinam as escolhas de base e que são condenados à extinção. Porque assim a nossa sociedade pretende.
O futuro do Brasil é feito da classe média, aquela que hoje enche os centro comerciais e engole os produtos do McDonald's. Aquele é o mercado, aí está o futuro e não apenas do Brasil: na China o percurso é idêntico. Será a "classe média" o coveiro de todos os "-ismos".
O que podem fazer hoje uma Dilma ou até um Lula é diminuir a faixa da população pobre: mas, paradoxalmente, isso contribui para alimentar as fileiras da tal classe média e agarrar cada vez mais o País ao "livre mercado". Diminuir a pobreza mas, ao mesmo tempo, pagar os impostos que o "livre mercado" pede: sejamos honestos, qual líder realmente comunista teria organizado um triunfo das multinacionais como a Copa do Mundo de Futebol? Sobretudo quando ainda haveria muito para fazer em prol dos que realmente mais necessitam.
E não pensem no discurso "mas isso é bom para a imagem do País, para as nossas empresas, cria lugares de trabalho, etc. etc.": estas são afirmações que não resistiriam perante a mais elementar das análises.
Para acabar, a minha é uma visão "de longe", como fiz questão de realçar antes, por isso pode estar totalmente errada, é necessário ter isso em conta. Não há problema, errar é normal. Estou aqui também para ser corrigido e aprender.
No entanto, vou concluir continuando a errar: mais do que com o regresso do Comunismo (que não regressará), se fosse brasileiro eu estaria mais preocupado com as tendência globais, porque o Brasil não é uma ilha e o tal "livre mercado" (livre só de nome) tem como base algo que já não é o velho Capitalismo (afinal, algo conhecido) mas qualquer coisa que já é difícil rotular e cujos efeitos são extremamente nefastos.
Ipse dixit.
Fonte: Alarico Trombeta
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