Al-Qaeda: a fonte Wahhabista
Conspiração

Al-Qaeda: a fonte Wahhabista


Zacarias Moussaui
Pepe Escobar é um dos melhores jornalistas em circulação: nunca banal, sempre atento, acumulou experiência e conhecimentos. E se um artigo dele fala de terrorismo, vale a pena prestar atenção. Sobretudo se o foco estiver na origem do terrorismo.

Nas páginas online de Sputnik, Escobar pega nas revelações de Zacarias Moussaui, condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos, e nas mais de 100 páginas do seu depoimento perante um tribunal federal de New York. Moussaui fala de terrorismo, fala dos financiamentos, do franchising Al-Qaeda, da Casa de Saud.

Não é toda a verdade: estas revelações saem num momento particular e têm uma função. Mas é uma parte considerável da verdade e não é difícil ir além do dito para entender o não-dito. Aliás: é muito, muito simples.

Segundo Moussaui, entre os financiadores mais importantes de Al-Qaeda antes do 11 de Setembro de 2001 encontramos nada menos que o ex-chefe de intelligence saudita, o príncipe Turki al-Faisal (por acaso, grande amigo de Osama bin Laden), o ex-embaixador nos EUA príncipe Bandar bin Sultan, também conhecido como Bandar Bush por via das amizades e um querido amigo dos mercados ocidentais (e de Rupert Murdoch), o príncipe al-Waleed bin Talal; mais todos os maiores clérigos Wahhabis da Arábia Saudita.
Novidades? Na verdade não há: estes são nomes que circulam há muito, desde a invasão soviética do Afeganistão e os primeiros movimentos jihadistas financiados pela Arábia dos Wahhabis.

De Esquerda: o Príncipe Bandar bin Sultan, o Príncipe Turki al-Faisal e o Príncipe al-Waleed bin Talal


As informações de Moussaui, continua Escobar, devem ser correlacionadas com quanto contido no próximo livro de Michael Springmann, ex-chefe da secção de vistos em Jeddah, na Arábia Saudita.

Em Visas for al-Qaeda: CIA Handouts that Rocked the World ("Vistos para Al-Qaeda: todos os vistos da CIA que abalaram o mundo"), Springmann descreve em detalhe o caminho da CIA que a partir dos anos 80 recrutou agentes e treinava muçulmanos para combater a invasão soviética no Afeganistão. Mais tarde, a CIA teria transferido estes agentes do Afeganistão para os Balcãs, e em seguida para o Iraque, a Líbia e a Síria, tudo com uma série de vistos americanos ilegais.

Estes guerrilheiros, treinados pelos EUA, reuniram-se numa organização que é sinónimo de terrorismo jihadista: Al-Qaeda.

Mais uma confirmação: Al-Qaeda sempre foi um instrumento nas mãos ocidentais. Num primeiro momento, nos anos '80, era apenas uma base de dados (lembramos: "Al-Qaeda" significa isso mesmo, "a base"), uma série de ficheiros num computador conectados ao departamento de comunicação da Secretaria da Conferência Islâmica dum lado e à CIA do outro.

Naquela época, Osama bin Laden era apenas um agente dos EUA que operava em Peshawar, e Al-Qaeda não era ainda a "sua "organização.

Mais tarde, em meados dos anos 2000, no Iraque Abu Musab al-Zarqawi recrutava jovens militantes fanáticos, sem ordens de bin Laden, para a AQI (Al-Qaeda no Iraque). Porque Al-Qaeda nunca foi uma organização, mas uma espécie de franchising, uma marca de sucesso: um elemento operacional essencial de uma agência de intelligence.

E aqui entramos no "vivo" da questão: qual agência? Escobar individua na intelligence saudita os responsáveis originais. E a melhor prova é o papel obscuro, desde o início, do príncipe Turki, ex-gestor ao longo de muito tempo da Mukhabarat, a CIA da Casa de Saud.

Al-Qaeda, a Casa, a CIA...

Aqui as coisas complicam-se. Objectivo do artigo de Escobar não é desenhar uma história completa
de Al-Qaeda mas simplesmente realçar a origem dos financiamentos ao terrorismo. Com as revelações de Zacarias Moussaui tudo torna-se mais claro mas, ao mesmo tempo, mais confuso.

Se é claro que a Casa de Saud está entre os principais financiadores de Al-Qaeda, sobram outras perguntas. Em primeiro lugar: porquê? E a seguir: qual o papel da CIA nisso? Quais as ligações que percorrem a história do terrorismo desde a resistência no Afeganistão até o radicalismo islâmico do ISIS de hoje?

O "porque" tem a ver com o Wahhabismo da Casa de Saud.
O Wahhabismo (também conhecido como Salafismo) é um movimento religioso sunita de tipo ortodoxo, fundamentalista,  ultraconservador e extremista, cujo principal objectivo é restaurar o "culto monoteísta puro".

O Wahhabismo encontra o seu nome no pregador e estudioso do século XVIII que deu origem ao movimento, Muhammad ibn Abd al-Wahhab. Este formou um pacto com um líder local do centro da Península Arábica, Muhammad bin Saud, oferecendo obediência política e prometendo que a defesa e a propagação do movimento wahhabista significaria "poder e glória" e domínio de "terras e homens". O problema é que este Muhammad bin Saud foi o fundador da Casa Saud.

Os Wahhabistas ainda hoje são uma minoria no panorama islâmico, mas ocupam posições dominantes: Qatar, Emirados Arabes Unidos, Bahrein, Kuwait e, obviamente, Arábia Saudita são Países dirigidos por elites wahhabistas. E o facto do Wahhabismo ficar sentado por cima das maiores reservas naturais de petróleo do mundo permitiu-lhe uma verdadeira "explosão" do poder na segunda metade do século passado.

Não é difícil ver no radicalismo Wahhabista reflexos do radicalismo do ISIS. Não é difícil porque a fonte é exactamente a mesma e, pelo visto, até o dinheiro sai (ou melhor: saía) da mesma carteira. Em ambos os casos, temos uma interpretação do islamismo em chave primitiva e um profundo ódio conta todos aqueles que se afastam do "caminho" original. É o caso dos Xiitas do Irão, inimigos mortais segundo a Casa Saud.

Tanto a Casa de Saud quanto o ISIS têm o mesmo objectivo: o proselitismo Wahhabi. A diferença fundamental é que a Al-Qaeda/ISIS hoje são renegados Wahhabis, que pretendem tomar o lugar da Casa de Saud (vista como um fantoche controlado pelo Ocidente), proporcionando uma ainda maior intolerância salafista.

A situação é portanto explosiva: a Casa de Saud é Al-Qaeda que, por sua vez é o ISIS com o seu
Califado. Mas esta equação já não é tão linear, porque a Casa de Saud perdeu o controle de Al-Qaeda e do ISIS, que se tornaram uma ameaça (típico caso de feitiço e feiticeiro). Juntamos o Irão que está preste à alcançar um acordo com os EUA acerca do nuclear e veremos como a situação da Casa Saud seja, no mínimo, delicada.

Quem controla hoje Al-Qaeda? Responder não é difícil: o já citado livro de Springmann deita para o chão duma vez por todas o conto de Osama bin Laden e esclarece como Al-Qaeda tenha sido um instrumento amplamente utilizado pela CIA.

Quanto ao ISIS, a situação é mais confusa, mas é evidente a função anti-Síria e anti-Irão do Califado (e anti-governo do Iraque). Casualmente, os mesmos problemas que Washington e Tel Avive têm na região também. Juntamos algumas dezenas de milhares de fanáticos e teremos o quadro completo.

E nem podemos esquecer da altura em que as revelações de Zacarias Moussaui vêem a luz. O objectivo político disso é colocar pressão sobre a Casa de Saud para que esta continue a bombear o seu petróleo em excesso. A recente guerra dos preços parece em perigo dado que a Arábia poderia rever as suas intenções. Isso preocupa Washington, que está disposta a sacrificar a rentabilidade do seu petróleo de xisto desde que os preços baixos ponham em dificuldade Moscovo.

Voltando ao terrorismo islâmico, é evidente como este seja um autêntico filme do terror no qual entram muitos actores: os Sauditas, os serviços secretos de vários Países, até alguns islâmicos. Sobretudo, um filme cujo enredo foi escrito com calma, em redor duma mesa: nascido como elemento de propaganda wahhabista, com o tempo continuou parcialmente a sua função original (Al-Qaeda) enquanto outras vertentes foram desenvolvidas para projectos mais ambiciosos (antes no Afeganistão em função anti-soviética, hoje no ISIS), mas sempre para atingir fins religiosos e sobretudo políticos.

Temos de lembrar da "profunda amizade" entre a Casa de Saud e a família Bush?

O que surpreende (mas até um certo ponto) é que nada disso é novidade (ver "Relacionados" no fim do artigo e reparem nas datas: 2012, 2014...). As ligações financeiras entre a Casa de Saud e o terrorismo islâmico já tinham sido estabelecidas há muito, assim como os meios (bancos) utilizados para as transferências.

Mas, caso estranho, nada disso consegue encontrar espaço nos meios de comunicação...


Ipse dixit.

Relacionados:
O Príncipe e o terrorista
Bancos simpáticos: HSBC - Partes I,  II e III

Fonte: Sputnik, The New York Times



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