JP Morgan e a ameaça comunista
Conspiração

JP Morgan e a ameaça comunista


Na passada semana, a equipa de pesquisa europeia do banco JP Morgan publicou um relatório de 16 páginas acerca dos trabalhos de ajuste na Zona NEuro: coisas que foram feitas, que deveriam ser feitas e outras amenidades.

Nada de particularmente interessante: redução dos custos do trabalho, despedimentos mais simples, privatizações, desregulamentação, protecção das empresas privadas, coisas deste género.

Os únicos pontos dignos de nota são dois.

Em primeiro lugar a previsão segundo a qual a austeridade continuará a ser uma característica da paisagem "por um período muito extenso", dado que a Europa encontra-se no meio dum caminho cheio de dificuldades. Admitimos: não é que como previsão seja uma grande coisa, da equipa de pesquisa dum dos maiores bancos mundiais seria lícito esperar algo mais.

O problema é mesmo este: na altura em que os pesquisadores saírem dos carris do óbvio, tropeçam no delírio.

O que introduz o segundo ponto:
Nos primeiros dias da crise, pensava-se que estes problemas nacionais estivessem intrinsecamente ligados ao factor económico: dívida pública elevada, problemas relacionados com bancos e mútuos, taxas de câmbios reais desalinhadas e rigidez estrutural. Mas ao longo do tempo tornou-se claro que também existem limites de natureza política. Os sistemas económicos dos Países do Sul, e em particular as suas constituições adoptadas na sequência da queda do fascismo, apresentam uma série de características que parecem ser inadequadas para favorecer uma maior integração na área europeia. Quando os políticos alemães falarem de processos de ajuste duma década, provavelmente têm em mente a necessidade de reformas tanto económicas quanto políticas.
Eh? As Constituições? O Fascismo? Mas falam de quê? Melhor continuar a leitura para tentar perceber este simpático e original JP Morgan-pensamento:
Os sistemas políticos da periferia foram criados no rescaldo das ditaduras e foram definidos por esta experiência. As constituições tendem a mostrar uma forte influência socialista, reflectindo a força política que os partidos de Esquerda ganharam após a derrota do Fascismo.
Ahhh, então fica mais claro: é a ameaça comunista! Olha só: Portugueses, Italianos, Espanhóis, Gregos, afinal somos todos uma cambada de soviéticos. E nem tínhamos dado por isso. Ainda bem que JP Morgan obriga a abrir os olhos, sempre seja louvada.

Assim fica tudo mais certinho: os problemas da Zona NEuro remontam ao fim da Segunda Guerra Mundial (a Constituição italiana é de 1948), e é pena que a equipa de pesquisa não tenha tido meios suficientes, pois desconfio que teria sido possível alcançar resultados ainda mais espectaculares (sempre desconfiei daquele casal, Adão e Eva: "partilhar uma maçã"? E porque não "comprar duas maçãs"?).

Pena nossa, mas continuemos a ler:
Os sistemas políticos da periferia geralmente apresentam as seguintes características: executivos fracos; Estados centrais fracos em relação às regiões; protecção constitucional dos direitos dos trabalhadores; técnicas de construção do consenso que fomentam o clientelismo político; direito de protestar caso sejam apresentadas reformas não bem-vindas do status quo político. A crise tem demonstrado a quais consequências levem estas características. Os Países da periferia têm conseguido apenas sucessos parciais no processo de reforma fiscal e económica, com os governos constrangidos pelas constituições (Portugal), autoridades locais (Espanha) e ascensão de partidos populistas (Itália e Grécia).
Admitimos: um País que reconhece direitos constitucionais aos trabalhadores sempre será um País do Terceiro Mundo ou pouco mais. E nem vale a pena falar do direito ao protesto: o bom cidadão pode ficar calado e obedecer, mas nunca protestar (nos Países comunistas, pelo contrário, não fazem outras coisas). 

Mas não é apenas o Comunismo que está em causa aqui, pois JP Morgan individua também outro perigo subversivo, ainda mais subtil: a Democracia. Aliás, os "especialistas" do banco nem parecem conseguir distinguir nitidamente entre Comunismo e Democracia: fica tudo junto, com o rótulo de "perigoso".

O que o documento permite vislumbrar, com uma certa clareza até, é um Paraíso infelizmente ainda afastado da nossa realidade: uma Terra Prometida onde os trabalhadores não têm direitos, onde não é possível protestar perante medidas injustas, onde o governo é forte e decide sem contrariedades, onde as autonomias locais são definitivamente enterradas, onde o Estado central pode actuar com ampla liberdade sem ficar excessivamente condicionado por itens arcaicos tal como "leis" ou até "Constituições".

Juntamos as recomendações iniciais (redução dos custos do trabalho, despedimentos mais simples, privatizações, desregulamentação, protecção das empresas privadas) e eis o acesso directo para o Nirvana.

Fascismo? Não, além disso.
Porque o Fascismo tinha percebido a riqueza do trabalhador, tal como tinha feito o Capitalismo originário: poucos sabem, por exemplo, que as primeiras leis em matéria de protecção do trabalhador tiveram como génese uma precisa vontade dos empreendedores privados já no final do XVIII século.

Os modernos bancos privados, dos quais JP Morgan com os seus "especialistas" é um perfeito exemplo, começam com uma ré-leitura histórica arrepiante (e profundamente ignorante), passam por uma análise contemporânea delirante e vão muito além do clássico Fascismo para explorar territórios ainda desconhecidos.

Sem dúvida, o futuro é risonho.


Ipse dixit.

Fontes: Euobserver, JP Morgan: The Euro area adjustment: about halfway there (ficheiro Pdf, inglês)



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